Nesses tempos de maniqueísmo nos debates políticos, a escritora, psicóloga e doutora em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Viviane Mosé chama a atenção para os formatos de informação que chegam ao povo brasileiro.
Conhecida por sua disposição em traduzir temas filosóficos para uma linguagem cotidiana, Viviane Mosé já encabeçou o quadro “Ser ou Não Ser”, no programa global Fantástico. Ela adianta para A TARDE que está envolvida no processo de escrita do seu próximo livro “Como Cego em Tiroteio: A Guerra da Informação”, em que abordará questões sobre a mídia nacional. Comentarista da rádio CBN e educadora, Viviane fala nesta entrevista sobre a sua próxima publicação, analisa o cenário político do Brasil e acredita que, para alguns Países, é interessante que o Brasil perca o papel de relevância na cena mundial. “Na minha opinião, também há algum movimento para retirar o Brasil do protagonismo internacional”.
Nesse processo atual, de intensa discussão dentro e fora das redes sociais, o que ganhamos ou perdemos?
Nós ganhamos muito pouco nesse processo. Perdemos muito. Esse processo começa, em 2013, quando, movidos pelas novas ferramentas – as chamadas novas mídias -, nós descobrimos que poderíamos acessar uns aos outros e construir novas correlações de forças. Aconteceu uma euforia com essa vitória. Então, tivemos duas ou três milhões de pessoas nas ruas. Só que elas não entendiam bem o que faziam ali. Elas sabiam, pelo menos, que eram contra a desigualdade social, a má qualidade dos serviços públicos e os altos índices de inflação, por exemplo. Com uma razão mais do que justa. Só que toda essa indignação não apareceu com a qualidade de uma direção. Ela não apareceu como proposta e, sim, com gritos. O que aconteceu ali? Todas as forças da sociedade estavam representadas. Tanto as chamadas do bem quanto as que dizemos do mal.
Qual a situação política que o Brasil enfrenta hoje?
Temos uma população, com total honestidade e verdade, dizendo: “eu não aguento mais”. Isso é fato em todos os lados e direções. Agora, não há solução para sair dessa situação. Muito pelo contrário. Então, as pessoas têm ódio e raiva umas das outras. Essa polarização não leva ninguém a nada, mas não há proposta. A situação que temos, no Brasil, hoje é a seguinte: há uma radicalização e fortalecimento da esquerda, o que por um lado é ótimo, mas por outro é perigoso porque há um radicalismo em relação ao impeachment e a tudo isso que está acontecendo. A esquerda, que estava complementa desgastada até final de dezembro do ano passado, agora cresceu. Numa ponta oposta, há radicalização do modelo absolutamente de direita, que é o Eduardo Cunha. Ele não é só de direita, ele ri na nossa cara em rede nacional. Ele diz: “ninguém me tira daqui”. É um negócio bem ostensivo o que Eduardo Cunha está fazendo. Esse presidente da Câmara está como PMDB, partido que hoje domina o Brasil. Então, temos Eduardo Cunha, Michel Temer e Renan Calheiros mandando no País. No meio disso, há o PSDB destruído porque está envolvido na Operação Lava Jato, não tem liderança e não é capaz de se colocar. Eu acho que o PSDB foi quem mais perdeu nisso tudo.
E a população brasileira?
A população está no meio gritando histérica. Isso fica muito bem representado na figura da [jurista] Janaína Paschoal berrando e agitando bandeira como uma louca. Isso não é atitude digna de uma mulher que busca levar adiante o processo de impeachment. O Brasil está numa encruzilhada.
Há um maior interesse sobre temas políticos no País?
O maior ganho desse momento é o interesse dos brasileiros por política. Ganho é que, nas próximas manifestações de rua, vamos ter um volume cada vez maior. Ganho é este amadurecimento político. Mas, ele precisa, urgentemente, de lideranças que tenham um mínimo de noção. Não temos, hoje no Brasil, sequer um nome que possa representar isso. Então, o que de fato vai acontecer? Não vejo solução. Vejo apenas uma crise política sem precedentes num País que acha que o problema é apenas econômico. Há, sem dúvidas, um problema econômico. Só que o problema político do Brasil é a desintegração partidária.
Nos discursos de votação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, ficou claro que as minorias não estão ali representadas.
Os deputados não representam a população brasileira. Estamos vendo o fim do sonho de uma sociedade mais ética e mais justa. O fim de causas importantes, como a valorização das minorias e a diminuição das desigualdades. É em prol delas que as pessoas precisam ir à luta. O abismo entre classes é uma realidade no Brasil sem tamanho: os preconceitos velados contra negros, a ocultação das mulheres, os debates retrógrados sobre gênero com vereadores impedindo discussões sobre o tema em escolas. Vivemos um momento de retrocesso político. O Brasil, até 2013, estava caminhando para o amadurecimento. De lá para cá, entramos numa onda de retrocesso. Estamos andando para trás. Até 2013 ninguém em sã consciência imaginava um cartaz pedindo regime militar em inglês. Isso é uma vergonha para qualquer que seja a liderança nacional. Hoje, é possível ver tudo isso na rua. O preconceito voltando de uma maneira inacreditável. É como se alguém, só porque diz “não quero Dilma Roussef”, fosse representante do bem e quem não quer a saída da presidente representasse o mal. Ninguém está olhando para o lado: vivemos sérias perdas de direitos.
Manchetes de jornais internacionais falam sobre a crise política que o Brasil vive. As Olimpíadas estão bem próximas. Como fica a imagem do País vivendo esse conflito?
Eu acho que essa coisa é um pouco mais densa porque o Brasil, há pouco tempo, era visto no mundo inteiro como uma referência. O Brasil, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), puxou no mundo a diminuição da desigualdade social. Enquanto todos achavam que desigualdade iria aumentar e caminharíamos para um caos, o Brasil puxou mudanças em relação a tal postura. Representamos a possibilidade de ascensão para os menos favorecidos. Só que estamos vendo, diante desses acontecimentos, e, na minha opinião, não por acaso antes da Copa do Mundo e das Olimpíadas, um interesse de desfazer no Brasil na cena mundial. Há um índice chamada Risco Brasil, que é consultado por investidores para saber se entram ou não no País. Se você tem um Risco Brasil alto, outros Países vão ter o investimento que não temos. Na minha opinião, também há algum movimento para retirar o Brasil do protagonismo internacional.
Quais os tipos de informação que os brasileiro acessam nesse cenário complexo?
O que está acontecendo nas ruas não está representado no enredo que aparece nos jornais e na grande mídia. Este enredo que está sendo contado não é o único. Tem o enredo de quem não concorda com o impeachment e ele vai continuar aparecendo. Diante de uma eleição, o que vale não é a manipulação de manchetes. Nós não estamos sabendo ler. O Brasil ainda não aprendeu a ler. O Brasil acha que ler é repetir o que viu na tevê, na postagem de um amigo ou aquilo que leu no jornal. A gente não sofistica a capacidade de interpretação. Hoje somos guiados pela notícia. Estou escrevendo um livro que adoro o título, “Como Cego em Tiroteio: A Guerra da Informação”. A informação é a bomba de nêutrons que achamos que iríamos ter no século 20. A informação é a arma para construir ou destruir uma sociedade. Quem carrega a informação está com tudo. O que acontece hoje, no Brasil, é uma guerra de informação. Você não sabe o que de fato é uma investigação da Lava-Jato ou manipulação política com interesse de afastar uma presidente. O Brasil ainda não saber ler.
Fonte: A tarde