Ao dar às pessoas a capacidade de recolher, editar, publicar e distribuir notícias, as TICs reduziram drasticamente o desnível informativo entre jornalistas e o público.
Entre todas as mudanças em curso no campo da comunicação, a que mais afetará o exercício do jornalismo é provavelmente o surgimento de uma nova relação entre os jornalistas e o público. Por enquanto, a fascinação com os novos gadgets ofusca a discussão sobre o impacto das tecnologias no comportamento das pessoas, mas começa a pipocar em várias partes do mundo, inclusive aqui no Brasil, a preocupação com o futuro papel dos jornalistas na era digital.
Quando as TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) deram às pessoas a capacidade de produzir, publicar e difundir notícias foi quebrada uma das bases fundamentais da indústria dos jornais, revistas, radiojornalismo e do telejornalismo. Além disso, as crenças e valores que sustentam a retórica das empresas de comunicação jornalística perderam validade na medida em que a imprensa deixou de ter a exclusividade no fornecimento de notícias para a população.
Nós ainda não realizamos o potencial transformador das TICs no jornalismo porque somos bombardeados 24×7 pelo marketing das novas tecnologias e porque continua forte a herança das rotinas e valores da era industrial na comunicação.
Mas o impacto das novidades no campo da informação tende a passar e já surgem sinais de que as preocupações se deslocam para a relação entre o exercício do jornalismo e as necessidades ou desejos de leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. São prova disto, as polêmicas em curso sobre privacidade, algoritmos informativos, direitos autorais e novas abordagens na questão da ética jornalística.
Ao dar às pessoas a capacidade de recolher, editar, publicar e distribuir notícias, as TICs reduziram drasticamente o desnível informativo entre jornalistas e o público. Até agora, os jornalistas eram a única fonte de acesso ao mundo situado além dos limites de nossa vivência individual. Hoje, os blogs, redes sociais, Youtube, Twitter, Whatsapp e outros aplicativos permitem uma distribuição horizontal de conteúdos e a eliminação de fronteiras informativas, o que colocou repórteres e editores quase no mesmo nível que o cidadão comum, quando se trata de notícias.
Esta mudança tende a acabar com a mística do jornalista como o “homem que sabe das coisas”, da mesma forma que vai eliminando aos poucos o acesso privilegiado da imprensa às fontes de informação na medida em que governantes, políticos, empresários, intelectuais e personalidades passam a expor diretamente suas ideias e informações em blogs pessoais ou em postagens em redes sociais.
Interdependência
A redução das diferenças informativas entre jornalistas e o cidadão comum tende a criar uma mútua dependência, porque o profissional necessita de dados e fatos para poder transformá-los em notícias por meio da contextualização, checagem de autenticidade, exatidão, pertinência e atualidade, ao mesmo tempo em que as pessoas precisam aprender a lidar com a informação.
Esta dependência mútua gerou o fenômeno denominado engajamento com as audiências, por meio do qual a relação entre jornalistas e o público passa a um estagio mais avançado. Passa-se da mera colaboração episódica para a busca da identificação de motivações, necessidades não expressas e objetivos imprecisos. As políticas de engajamento já se tornaram comuns em vários projetos jornalísticos nos Estados Unidos e países nórdicos. Mais detalhes no informe Engaging Communities Through Solutions Journalism.
Esta é outra alteração muito importante na rotina do exercício do jornalismo porque, até agora, ainda é muito entranhada no cotidiano das redações, a ideia de que o jornalista não deve se envolver com as audiências para, supostamente, ter melhores condições de avaliar os acontecimentos e os posicionamentos dos protagonistas de uma notícia. Esta exigência de distanciamento, que foi um dos motivos do fracasso das experiências de jornalismo cívico nos Estados Unidos, na década de 70, é cada vez menos invocada nas redações contemporâneas.
As estratégias de engajamento são específicas de realidades concretas, ou seja, não há uma regra porque cada caso determina um tipo próprio de relacionamento entre jornalistas e o público. Uma das estratégias que logrou maior visibilidade é a do chamado jornalismo de soluções, onde os jornalistas participam da busca de alternativas para problemas de uma comunidade. Já existe até uma rede internacional para troca de experiências sobre o engajamento de jornalistas na busca de soluções para problemas locais (Solutions Journalism Network).
O desdobramento natural do engajamento é a formação das chamadas comunidades de informação, que autores como o norte-americano Yochai Benkler consideram um dos modelos futuros para a nova estrutura de informação pública na era digital. Um exemplo concreto do que podem vir a ser as comunidades de informação é o caso da cidade espanhola de Jun, ao sul de Granada, onde o aplicativo Twitter faz a gestão das relações comunitárias em todo os níveis, do social, educacional, administrativo, policial, politico até o atendimento médico.
Embora todas estas experiências sobre o novo relacionamento entre jornalistas e o público ainda estejam na fase do erro a acerto, uma pesquisa da Universidade do Sul da Califórnia mostrou que elas são a base para o desenvolvimento de um novo modelo de negócios e de um novo sistema de governança para projetos jornalísticos. A crise do modelo tradicional, baseado na publicidade paga, a sobrevivência de novos empreendimentos jornalísticos dependerá mais do que agora do envolvimento do público seja como fornecedor de conteúdos (crowdsourcing), seja com participação financeira por meio de doações ou acesso pago.
Fonte: objEthos