A gente quer inteiro. E não pela metade

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A comunicação pública é uma realidade em muitos países do mundo [1]. Sabe a BBC? Significa British Broadcasting Communications (nada mais que a Emissora Britânica de Comunicações). Por aqui não deveria ser diferente quando a Radiobras passou a se chamar Empresa Brasileira de Comunicações.
Em teste, emissoras públicas são concessões tanto quanto as particulares só que como não tem rabo preso com anunciantes podem e devem tratar de temas necessários para a população que as privadas não teriam condições de debater sob pena de perder anunciantes. Mais do que isso: as emissoras públicas, sejam federais ou estaduais, têm que “por o dedo na ferida” e oferecer integralmente as programações oficiais, como é o caso da NBR.
No dia 9 de Janeiro de 2017, o ministro da justiça Alexandre de Moraes concedeu uma entrevista coletiva sobre a “crise penitenciária”. Consegui assistir apenas alguns trechos na GloboNews, que logo cortou para passar outra matéria (e não há nada de errado disso, é o modelo de negócios deles). Só que fiquei curiosa: o que mais ele disse?
O controle remoto é uma benção! Passei para a NBR pois queria continuar vendo a coletiva. O que ia ao ar era a entrevista de Leonor Pach sobre obesidade. Outra tentativa: TV Justiça, mas o programa era Direito & Literatura. TV Cultura, TV Brasil: nenhuma delas exibia a coletiva do ministro ao vivo.
A mim cabia apenas o “direito” de assistir a edição de uma emissora que pago.
Pensei que era o que os millennials chamam de velha e fui procurar outros meios de comunicação. No site do Ministério da Justiça haviam duas notas à imprensa. Na agenda do ministro, nenhum compromisso (se coletiva de imprensa não é compromisso não sei o que se é).
“Talvez a geração do Mark tenha razão e a informação esteja no Facebook”, cogitei. Havia um compartilhamento de um post do Ministério da Saúde sobre chikungunya na página oficial do Ministério de Justiça e Cidadania. Há também um post sobre a retrospectiva da Secretaria Nacional da Política Sobre Drogas (SENAD) e outro compartilhamento, desta vez do Ministério da Integração Nacional para evitar o desperdício de água. No dia 4 de Janeiro há uma postagem com a retrospectiva do Departamento Penitenciário Nacional. Notas sobre o caos penitenciário de 2017? Nenhuma.
Tudo bem, quem sabe um passarinho me conta alguma coisa? Finalmente, alguns tuiters sobre o tema na conta oficial do Ministério da Justiça e Cidadania! Ali encontrei 23 postagens sobre a “crise penitenciária”. Aqui vale um importante adendo: nesta rede social, cada postagem pode ter no máximo 140 caracteres.
E, antes que me perguntem: o canal da TV Justiça no YouTube transmitia a entrevista da cabeleireira Tânia Luiza (não me perguntem porquê).
Mortos em Manaus, em Roraima, a divulgação de um PDF de 62 páginas intitulado “Plano Nacional de Segurança Pública” apenas com tópicos e sem detalhamentos de como implantar as ações, enfim, em meio ao caos o Ministério da Justiça prefere divulgar metade (um terço? Um quarto) das informações do que a sociedade brasileira merece saber por inteiro.
São muitas perguntas sem respostas e uma coletiva que deveria ser transmitida na íntegra. Por que o silêncio? A sonegação de informações pode parecer, em um primeiro momento, um case de comunicação mal feito. Mas consegue ser pior: O Ministério da Justiça e Cidadania viola um direito humano que está na Declaração Universal dos Direitos Humanos [2]:
Artigo 19º: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.”
Esta “seletividade” ao ser observada mais atentamente consegue-se tornar ainda mais estranha para compreender: por que, em pleno domingo, a TV Câmara transmitiu ao vivo a votação dos deputados federais para o impeachment de Dilma Rousseff e neste caso, com tantos meios, o que existe é a falta de informação?
Em seu artigo, “Instrumentos de participação pública como auxílio à participação política dos cidadãos- Avaliação das políticas públicas de cidadania do portal eletrônico do governo da cidade de São Paulo”, Fabíola de Paula Liberato, Pós Graduanda do Mestrado em Comunicação do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, deixa uma possibilidade raciocínio [3]:
“A comunicação tem como base o intercâmbio de informações, porém, o fato de haver informação sobre determinado tema político, por exemplo, não garante a eficácia da comunicação pública. A comunicação pública deve proporcionar condições de acesso e maior interação entre representantes e representados, a criação de espaços para discussões e exercício da cidadania possibilita a melhora da comunicação e a busca do entendimento, compreensão. Uma característica notável da informação desenvolvida pela comunicação pública é ter conteúdo que seja de interesse de todos”.
O Ministério da Justiça e Cidadania, bem como as outras pastas e a própria sociedade não estão interessados em saber o que houve nos presídios e muito menos o que acontecerá daqui para frente. A barbaridade ali praticada, a admissão de facções criminosas, a ineficácia do sistema: nada disso parece importar para ninguém. E os que se importam, como eu, literalmente não tem nada para ver.
Texto: Ivy Farias – jornalista e estudante de Direito da UMC Villa-Lobos/Lapa em São Paulo e uma das co-fundadoras do movimento Mais Mulheres no Direito.
Fonte: Jornal GGN