A comunicação em uma sociedade plural

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Em março de 2011, estava em Madrid fazendo uma pesquisa e me deparei com um pequeno texto intitulado “As muitas vozes”. Como era de uma revista sobre propaganda, marketing e comunicação, minha curiosidade sobre as muitas vozes foi providencial.  Adorei o conteúdo e percebi mais uma vez que um pequeno texto pode proporcionar forte envolvimento com a realidade em que nos situamos.

É inegável que vivemos em um mundo repleto de vozes, como também é notável que algumas vozes são alinhadas, outras desalinhadas, algumas concordantes, outras discordantes. No entanto, estamos sempre diante de muitas vozes. Seria muito fácil perceber que a crescente sociedade conectada ou em rede tem gerado muitas e muitas vozes.

Por outro lado, parece que ouvimos cada vez mais de forma seletiva. Certamente ouvimos apenas o que nos interessa e faz sentido.  Este processo natural de exclusão é o que nos desafia a escrever sobre comunicação. Afinal, a raiz do termo comunicação aponta para o tornar comum, compartilhar e isso só é possível diante de um outro. Mas quem é esse outro?  Ou seriam outros? A resposta imediata seria: esse outro não sou eu. Perfeito, se o outro não é você, o outro é diferente e se o outro é diferente significa que os outros todos são. Pronto: já temos aqui uma sociedade plural.  Ao ignorarmos as diferenças, estamos ignorando a nossa singularidade.

Comunicar pressupõe trocar, ou ainda compartilhar ou interagir com diversas pessoas. E a lógica da qualidade e da assertividade de nossas mensagens está exatamente em falarmos a língua do outro, daí o porquê da necessidade básica de conhecer o outro em sua totalidade e, mais ainda, de reconhecer no outro os elementos comuns que garantirão uma troca ou compartilhamento que permita “tornar comum” nossas ideias, vontades, posicionamentos, expectativas, inquietações e uma lista infindável de situações que nos aproximam e permitem o fluir de nossas percepções e sentidos.

Comunicar em uma sociedade plural é comunicar reconhecendo as coletividades, os agrupamentos, as tribos, as comunidades que de forma autônoma se agrupam a partir de interesses comuns, visões e posições compartilhadas entre seus pares que promovem as muitas vozes de um grupo.

É muito fácil reconhecer a existência dessas coletividades, mas paradoxalmente tem sido difícil ouvir ou dar ouvidos a essas vozes, daí o primeiro ato é quase sempre rotular e descrever tais movimentos a partir dos nossos reais preconceitos ou conceitos pré-concebidos.  Talvez para facilitar essas relações alguns preferem assumir o tão assimilado gostar (like) ou odiar (hate), mas poucos efetivamente preferem o relacionar, que implica o ouvir e o falar, o compartilhar, o trocar e aceitar que fazemos parte dessas muitas vozes.

A publicidade tem avançado no sentido de mostrar uma sociedade mais plural. Alguns estereótipos, como por exemplo o da família, já apresentam novas configurações com um núcleo familiar sem o pai ou sem a mãe, ou ainda com dois pais ou com duas mães. No Dia dos Namorados, abre-se o leque para quem namora independente da questão hetero ou homoafetivo, evidenciando novas formações para além do estereótipo de casal. A moda retrata que misturar é legal e as barreiras culturais ao unissex dão lugar a uma juventude não mais presa a normas convencionais. Aliás, os banheiros de algumas baladas aboliram os ícones que caracterizam mulher ou homem, para um espaço compartilhado.

Em meio a esses movimentos encontramos as organizações usando de forma oportuna um novo dialogar com seus públicos, reconhecendo sua pluralidade. Mas inevitavelmente algumas organizações têm se valido de ações oportunistas para se aproximar de algumas coletividades e quando surgem os questionamentos, as críticas, as manifestações na internet, elas retiram seus materiais, mudam o discurso e voltam ao papel padronizado e destinado às massas. É prudente lembrar que a ideia de massa como algo homogêneo e denso não se sustenta, pois um sempre será distinto do outro e certamente se atentarmos para as muitas vozes teremos uma massa de anônimos que pensam, agem, reagem, falam e falam muito, independente de quem os ouve.

Texto: Daniel Galindo é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo

Fonte: Repórter Diário