Altamente concentrada, indiferenciada, corporativa – quase um pool – e cada vez menos pluralista e transparente, nossa imprensa está substituindo sua razão de ser – a defesa do interesse público – por um processo de preservação dos próprios privilégios desobrigada de explicar suas escolhas e oferecer satisfações sobre seus procedimentos.
Ao escolher a então nascente rede mundial de computadores como plataforma, o grupo de fundadores do “Observatório da Imprensa” fez algumas opções cruciais. A primeira delas — não tão óbvia como pode parecer hoje — referia-se ao modelo a ser adotado: serviço público.
Em 1996, a internet aparecia como alternativa à obsessão quantitativa da grande imprensa. Jornais apostavam nos recursos de marketing, distribuição de colecionáveis, nas grandes tiragens, na impressão em cor e na cadernização desenfreada.
A internet assumia-se como serviço auxiliar, segmentado. Focado exclusivamente na crítica da mídia, porém franqueado a toda sociedade, o OI pretendia empurrar a discussão sobre o desempenho da imprensa para um ambiente que raramente frequentava: seus usuários.
Não era expressivo o número nem a audiência de publicações acadêmicas sobre jornalismo e comunicação, mas a vertiginosa multiplicação das escolas e faculdades de comunicação social indicava um nicho promissor embora pouco atuante e passivo.
A noção (sequestrada da física quântica) de que a observação de um fenômeno pode funcionar como uma intervenção no seu desenrolar e a certeza de que leitores, ouvintes e telespectadores, devidamente motivados podem constituir um legítimo contra-poder ao poder dos grupos empresariais de mídia, consolidaram as premissas iniciais do projeto.
O resto da história é conhecido. Inesperadas, surpreendentes, foram as contradições que fomos obrigados a superar ao longo de quase duas décadas porque a imprensa, embora formalmente classificada como um serviço público vital para a manutenção do Estado de Direito democrático comportava-se cada vez mais distanciada dos seus compromissos históricos. Talvez seja a única atividade econômica que conseguiu obter garantias constitucionais para o seu exercício apesar de cada vez mais distanciada e desatenta às contrapartidas previstas no seu “contrato social”.
Altamente concentrada, indiferenciada, corporativa – quase um pool – e cada vez menos pluralista e transparente, nossa imprensa está substituindo sua razão de ser – a defesa do interesse público – por um processo de preservação dos próprios privilégios desobrigada de explicar suas escolhas e oferecer satisfações sobre seus procedimentos.
As divergências ontológicas e orgânicas entre o “Observatório da Imprensa” e a grande imprensa ficam claras quando se examina o comportamento desta ao embargar qualquer notícia ou comentário sobre o drástico enxugamento ocorrido na redação dos veículos impressos do Grupo Globo no último dia 1 de Setembro. A turbulência interna mais expressiva no jornalismo impresso desde a redemocratização do país está sendo mascarada e disfarçada tanto pelo veículo que a promoveu como pelos supostos concorrentes (na verdade parceiros).
Um esmerado processo de manipulação de informações escondeu dos leitores e cidadãos o tamanho da crise que revirou nosso jornalismo de ponta cabeça. Nenhum colunista foi afastado ainda que alguns tenham aceito revisões no contrato de trabalho na condição de Pessoas Jurídicas. O importante era fingir que nada aconteceu. Mesmo que as edições diárias exibam os danos causados por ostensivo enxugamento.
Como um serviço público comprometido com a busca da verdade o “Observatório da Imprensa” não poderia compactuar com este factoide coletivo. Demitir empregados é um recurso extremo, porém absolutamente legal desde que respeitada a legislação laboral. Outra coisa é camuflar um vultoso processo de reengenharia com demissões em massa de funcionários e colaboradores. Se a imprensa sente-se liberada para revelar demissões e reorganizações de montadoras de automotivos de modo a alertar o leitor- contribuinte para o que se passa na economia real então porque se impõe a autocensura no sistema midiático?
Os executivos que costuraram a cortina de silêncio sobre a crise dos jornais não imaginaram que o noticiário acabaria vazando para blogs e redes sociais? Porventura concluíram que o estrago seria minimizado caso as notícias ficassem restritas à mídia digital? Ou trata-se do velho pavor da palavra impressa com todas as letras?
A grande verdade é que a recente escamoteação de fatos protagonizada pelo “Globo” & empresas amigas enfiou nosso jornalismo impresso na estranha categoria dos veículos corporativos e alavancou o jornalismo crítico para o estágio superior de meta-jornalismo.
(*) Alberto Dines, jornalista, escritor, fundador do Observatório da Imprensa.