Uma audiência pública na Câmara Municipal do Recife, na última quarta-feira 26, abriu espaço para discussões sobre o abandono de diversos órgãos públicos de comunicação em Pernambuco.
Enquanto vemos na mídia privada questões importantes, como a da reforma trabalhista, sendo distorcidas ou silenciadas, veículos que poderiam contribuir para que o debate de fato exista são sucateados.
Convocada pelo vereador Ivan Moraes Filho (Psol) para discutir a Rádio Frei Caneca, a audiência abordou também o possível fechamento da TV Pernambuco (TVPE), no Recife, o desmonte das estratégias de controle social e participação da TV Universitária (TVU) e o pouco investimento nas tevês e rádios legislativas.
Apesar de algumas vitórias importantes, como a digitalização da TVU e a entrada no ar da Rádio Frei Caneca, a situação de Pernambuco reflete o que acontece em um estado onde a comunicação pública vive de promessas não cumpridas.
Também faz parte de um contexto nacional de desmonte acelerado da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) pelo governo ilegítimo de Michel Temer.
Em Recife, a Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC), empresa pública que gere a TVPE, veicula conteúdos da EBC e conta com retransmissoras em mais de 60 municípios, ao contrário das tevês comerciais, que têm menor alcance (principalmente em regiões mais afastadas).
Mas esse cenário pode mudar.
No calendário do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o desligamento do sinal analógico dos televisores e a substituição pelo digital estão previstos para meados de julho deste ano.
A TVPE, ainda operando com sinal analógico, deverá sair do ar na capital pernambucana, já que não foi cumprida a promessa do ex-governador Eduardo Campos de investimento de R$25 milhões para modernizar a emissora.
Vale lembrar que muitos municípios em diversas áreas do Estado não contam com transmissoras locais nem recebem sinal de cidades vizinhas. Sem acesso à informação, tais lugares tornaram-se conhecidos pelo uso das parabólicas. As antenas captam sinal de diversas regiões, não necessariamente da localidade onde estão.
O fenômeno leva as pessoas a desconhecer o que é produzido em seu Estado, incluindo aí parte de seu patrimônio cultural, assim como acontecimentos e problemas de sua região, em detrimento de outras.
Um exemplo é o que já acontece em Araripina. Segundo o representante do município na audiência pública, o blogueiro Portnalli Chuim, a emissora atualmente não chega à sua cidade.
Para resolver o problema, a sociedade civil demanda a implementação de uma estação retransmissora em Ouricuri, ponto ideal para atingir toda a região do sertão do Araripe.
Segundo o diretor-presidente da EPC, Guido Bianchi, a digitalização da TVPE precisaria começar por Caruaru, onde se localiza a geradora do sinal da emissora.
Em seu Plano de Gestão para 2016, a EPC estimou em R$ 4 milhões a implantação da transmissão digital na cidade de Caruaru e em Recife. Porém, essa não parece ser uma prioridade do governo estadual.
Enquanto as cifras para publicidade crescem, a TV pública permanece à míngua, correndo o risco de deixar de existir se não for digitalizada. No mesmo ano, conforme dados do site Ombudspe, o governador Paulo Câmara injetara 17,4 milhões de reais no orçamento previsto para publicidade oficial.
Isto sobre um montante já provado na Lei Orçamentária Anual (LOA) de R$ 54,5 milhões, somando então mais de R$ 70 milhões no total.
A farra dos gastos publicitários se repete na capital. O vereador Ivan Moraes denunciou durante a audiência pública que, em 2017, a Prefeitura do Recife já havia pedido uma suplementação de verba para publicidade, podendo chegar a gastos de R$ 15 milhões.
No entanto, parece difícil que sejam disponibilizados os R$ 1,7 ou R$ 2 milhões necessários, segundo o diretor da Rádio Frei Caneca, Patrick Torquato, para que a emissora pública municipal comece a funcionar com programação e equipe próprias.
Participação social? Só no papel
Inspirada nos moldes da EBC, a EPC foi criada atendendo a uma reivindicação antiga e persistente dos movimentos sociais de comunicação, entre outros segmentos.
A proposta de reestruturação da antiga tevê do Estado foi a mais votada da Conferência Estadual de Comunicação, em 2009. Após muitas pelejas, a lei de criação de empresa pública EPC foi aprovada e foi instituído um Conselho de Administração – com membros da sociedade civil com poder decisório.
Contudo, a nova estrutura da empresa permaneceu sem recursos compatíveis com o seu funcionamento.
Hoje, com um novo quadro eleito de conselheiros/as ainda não nomeados/as e sem previsão de orçamento para seu porte, a emissora vem deixando de atender às demandas de produção de conteúdo que poderiam ser veiculados em sua grade.
Em relação à TV Universitária – que não faz parte da EPC e é ligada à Universidade Federal de Pernambuco –, o cenário é melhor por já ter sido digitalizada, mas ainda está longe do ideal em termos de participação.
Em 2015, um comitê formado por funcionários, professores e integrantes de Organizações Não Governamentais do campo do direito à comunicação, além de representações de movimentos sociais, deram início a um processo de reestruturação do Núcleo de TV e Rádio Universitária (NTVRU), que tem alcance metropolitano.
Após vários encontros e debates, foram elaborados documentos que norteariam as práticas para uma efetiva comunicação pública: participação social; transparência e possibilidade de acesso dos diversos segmentos da cultura, entre outras áreas; construção participativa da grade de programação dos veículos, com pluralidade de conteúdos e elaboração de editais de ocupação.
No entanto, a nova direção do Núcleo, que acompanhou o processo de digitalização da emissora, ainda não tirou as propostas do papel.
Uma rara boa notícia na Rádio Universitária é o programa Fora da Curva, realizado em parceria com diversas organizações sociais.
A falta de resposta às demandas da sociedade também é a prática de gestão municipal da rádio pública Frei Caneca FM. Depois de mais de 50 anos de reivindicações, apenas em 2016 a rádio foi colocada no ar pela prefeitura, mas ainda em caráter experimental.
Desde então, a FM funciona de forma muito aquém de seu potencial e de sua proposta inicial, tendo produzido conteúdo próprio apenas durante o carnaval, quando abriu os microfones para um programa de entrevista sobre o frevo e a produção local. Durante o restante do tempo, a Frei Caneca tem ocupado sua grade de programação com música. Porém, um veículo público deveria ser bem mais que uma playlist de qualidade.
As iniciativas do legislativo para tentar resolver a falta de orçamento também têm sido ignoradas. Em 2016, o deputado estadual Edilson Silva destinou R$ 260 mil de emenda parlamentar para a emissora.
Até agora, o convênio entre a Secretaria de Planejamento e Gestão do Governo do Estado e a Secretaria de Planejamento do Recife não foi sequer firmado para recebimento da verba e os recursos correm, cada vez mais risco, de serem perdidos.
Permanecem distantes da rádio os 90 minutos diários de jornalismo (sendo 50% por cento de conteúdo local), as 3 horas semanais de programas voltados a propostas para o público infantil e infanto-juvenil (com ênfase de conteúdos locais conteúdos locais e regionais realizados, concebidos e desenvolvidos por produtores independentes do Estado), além da garantia de 20% de conteúdos radiofônicos criados e desenvolvidos por produtoras independentes do estado.
Tais diretrizes, além da constituição de um conselho com participação social, com caráter deliberativo e fiscalizador, integram as 54 propostas apresentadas em audiência pública na Câmara Municipal do Recife, em 2014.
Passados três anos, mais uma audiência pública mostrou que as 54 propostas sequer foram homologadas pela atual administração, com a recondução ao cargo do prefeito Geraldo Julio.
“As propostas ainda não foram publicadas no Diário Oficial. Nem uma versão em papel timbrado chegou a ser apresentada. Assim, apesar toda legitimidade, elas permanecem sem valor de documento. Além disso, a rádio não tem existência jurídica e também não consta no organograma da Prefeitura. Essa falta de reconhecimento oficial lança sérias dúvidas a respeito do compromisso da gestão com o caráter público da emissora e deixa um campo aberto para arbitrariedades na Frei Caneca”, denuncia Renato Feitosa, integrante do Grupo de Trabalho (GT) que foi constituído pela Fundação de Cultura da Cidade do Recife (FCCR), ligada à Secretaria Municipal de Cultura, para a implementação dos 54 pontos.
As reuniões do GT foram suspensas pela gestão no final do ano passado.
Apesar de insistentes questionamentos de representantes do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom) na audiência pública, o presidente da FCCR, Diego Rocha, não se comprometeu com um prazo para publicar no Diário Oficial as 54 propostas, nem para realização de concurso para contratação de profissionais, efetivação de um Conselho com participação social ou a própria estruturação do órgão dentro do organograma do governo municipal.
Efetivamente, a única evolução da audiência foi que o Grupo de Trabalho que vem discutindo a implementação da Frei Caneca finalmente será formalizado em reunião aberta e voltará a se reunir na semana que vem, 09 de maio, em um dos auditórios do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães.
A falta de recursos e as formas precárias de participação social colocam em risco a própria existência de uma radiodifusão pública em Pernambuco. A sociedade está de olho, mas é preciso que as diferentes esferas do governo encarem a questão com seriedade e evitem o fim desta fundamental ferramenta para a democracia.
Texto: Eduardo Amorim e Cátia Oliveira são jornalistas e integrantes do Coletivo Intervozes. Cátia é mestra em Ciência Política pela UFPE e foi conselheira pela sociedade civil do Conselho de Administração da EPC, além de integrar o Grupo de Trabalho para implantação das propostas para a Rádio Frei Caneca. Eduardo é vice-presidente da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco.
Fonte: Carta Capital