Comunicação pública ou governamental? A confusão continua no Planalto

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Edinho Silva: governo prioriza canais governamentais em detrimento à comunicação pública

Em maio deste ano, alertamos aqui neste blog: comunicação pública não é a mesma coisa que comunicação governamental, segundo a Constituição brasileira. Na época, o governo federal dava largada, como a assinatura de diversas portarias e o posterior estabelecimento de um convênio entre ministérios, para a veiculação de novos canais na televisão digital aberta.

Previstos no Decreto 5.820/2006, que definiu o padrão de TV digital no Brasil e estabeleceu diretrizes para a transição do sistema analógico, os novos canais foram concebidos como parte do sistema público de radiodifusão – diferentes, portanto, do sistema estatal de comunicação, ligado diretamente aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Porém, não foi este o caminho adotado pelo governo federal para, finalmente, levar os novos canais no ar.

Na quarta-feira 9, em cerimônia realizada na sede da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o governo celebrou o início das transmissões do que chamou de “Canais do Poder Executivo” na TV digital aberta.

Resultado de uma parceria entre o Ministério das Comunicações, da Educação, da Saúde (por meio da Fiocruz), da Cultura, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) e da EBC, três novos canais, já veiculados na TV por assinatura, passarão a ser transmitidos na TV aberta como faixas da multiprogramação – permitida no padrão digital – da TV Brasil. São eles a NBR (canal que transmite os atos e ações do Poder Executivo Federal), a TV Escola (do MEC) e o Canal Saúde (produzido pela Fiocruz).

Disponíveis a partir de agora na TV digital aberta para os moradores de Brasília, os canais chegarão em janeiro ao Rio de Janeiro e a São Paulo, onde a TV Brasil já é transmitida no sinal aberto para a população. Até o meio de 2016, entrarão em funcionamento também em Belo Horizonte e Porto Alegre. O objetivo é alcançar todos os 460 municípios com mais de 100 mil habitantes até 2019, chegando a 120 milhões de pessoas.

Sem dúvida, é uma boa nova. A população terá acesso a novos conteúdos e receberá uma programação de qualidade feitas hoje pelo Ministério da Educação, pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo próprio governo federal, que precisa de um canal de comunicação direto com a sociedade para prestar contas de seus atos e dar transparência à gestão pública.

O que não dá é para seguir confundindo isso com comunicação pública. E a “confusão” ficou explícita nas palavras do ministro Edinho Silva, da Secom, na cerimônia desta quarta. Ao mesmo tempo em que declarou que “este governo quer deixar como legado para o país um novo modelo de comunicação pública”, o ministro falou da importância deste momento “para a comunicação do Poder Executivo”, para o reforço do papel do governo na produção de conteúdos e na democratização da informação, “para que a população conheça as ações do governo federal”.

“Queremos produzir conteúdo diferenciado para disputar o imaginário da sociedade e a formação da opinião pública (…) Esperamos que cada área do Poder Executivo tenha seu canal, para reduzir o abismo que existe entre representante e representados”, afirmou. “É preciso aproximar o Estado da sociedade civil para legitimar este Estado”, acrescentou o ministro. Ou seja, Edinho claramente se referia ao fortalecimento da comunicação estatal.

PolaPola Ribeiro: TV pública com participação social

Mas aí a confusão continuou, quando o ministro passou a falar da EBC (e da sua TV Brasil), criada, por lei, como uma empresa de comunicação pública. “Os novos canais são importantes porque temos a ansiedade de ter um instrumento de comunicação que dialogue com a sociedade de maneira organizada. E a EBC ainda não pode ser caracterizada como um projeto eficiente de disputa na sociedade. Temos que fazer com que a sociedade entenda do papel da EBC”.

Me desculpe, ministro, mas quem não entende o papel da EBC é o senhor!

A reação dos funcionários da empresa pública – que acabam de sair de uma greve na qual a defesa da autonomia dos veículos em relação à agenda governamental foi um dos temas centrais – foi imediata. Está mesmo tudo errado. Fazer a separação dos conceitos e dos objetivos dos canais será ainda mais complicado quando o telespectador assistir, em faixas consecutivas do mesmo canal, a programação da TV Brasil e da NBR…

Na contramão

Impressiona também que a fala do ministro Edinho tenha destoado da de todos os demais convidados da cerimônia, que tem a clareza de que a comunicação alternativa que faz falta ao país – sobretudo num momento como este – não é a propaganda governamental.

É uma comunicação que dê espaço à diversidade cultural e regional do nosso povo, que escute e vocalize opiniões variadas e até conflitantes, que seja produzida e programada a partir de processos de participação social, independentes do governante de plantão. É isso o que determina a Lei 11.652/2008, que criou a EBC e instituiu princípios e objetivos da radiodifusão pública brasileira.

Foi isso o que defendeu, por exemplo, Valcler Rangel Fernandes, da FioCruz, durante o evento: “A população precisa de um canal que consiga conversar sobre o SUS, que reflita a diversidade cultural do nosso povo, que mostra o que a população pensa sobre o seu território, sobre onde vive”. “Queremos fazer um jornalismo equilibrado, algo que se mostra cada vez mais importante para o país”, acrescentou Américo Martins, presidente da EBC.

“Estamos firmes no projeto de fazer uma TV pública com participação social. É hora de fazer um canal com toda a diversidade de vozes. Esta é a demanda que está colocada: sair do .com e sair do .gov”, concluiu Pola Ribeiro, Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, que está à frente do processo de desenvolvimento do futuro Canal da Cultura, que, por restrições orçamentárias, só deve ir ao ar em 2018.

Dá pra ver, portanto, que tem muita gente querendo fazer e fortalecer a comunicação pública. Mas o Planalto parece insistir na ampliação do discurso governamental. Fica clara a ausência de projeto neste campo e as danosas consequências da histórica indefinição do que seria o sistema público de comunicação brasileiro.

Nos últimos 13 anos, essa pauta passou longe das prioridades do Estado brasileiro. À exceção do momento de criação da EBC e dos frutíferos debates que o antecederam, envolvendo um amplo conjunto de atores sociais, produtores de conteúdo e pensadores da comunicação, a agenda da consolidação do sistema público, previsto na nossa Constituição, seguiu escanteada.

E o mais impressionante é que o governo federal não percebe que, além dos setores e segmentos historicamente excluídos da mídia comercial privada, quem mais perde com tudo isso é ele mesmo e o projeto que ele alega defender e querer construir.

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