“Se as marcas funcionam para as grandes indústrias, por que não fazer que funcionem para beneficiar comunidades?”
Foi há quatro anos que o administrador e publicitário colombiano Diego Parra ouviu a conclusão que mudaria a direção de sua carreira: “a gente precisa de visibilidade”. Aos 34 anos, estava em um encontro com moradores do bairro Belén, uma comunidade pobre e marginalizada de Bogotá, a capital da Colômbia, e queria ajudar. A provocação plantou a semente do que viria a ser a Marca Comunidad, projeto que propõe uma metodologia comunitária para busca de valores e imagens que serão usadas como matéria prima para a criação das marcas dos bairros. “Se as marcas funcionam para as grandes indústrias, por que não fazer que funcionem para beneficiar comunidades?”, é este o norte.
A experiência de Belén começou em abril de 2012 e segue. Hoje, realizam o projeto em mais quatro comunidades: Vila Espanha, Nuqui, Altos da de lá Florida e Bahia Solano. O encontro mencionado aconteceu na Casa B, um espaço cultural tocado pelos amigos José Camillo, engenheiro de 35 anos, e Dario Sendoya, antropólogo de 34 anos. Quando os dois voltaram ao seu país, após uma temporada em Berlim, trouxeram de lá a proposta de ocupação cultural da cidade como forma de vida e modelo de trabalho. Escolheram Belén para levantar seu espaço de música, fotografia e encontros.
Em seus primeiros meses de vida, a Casa B organizou uma série de encontros com a temática ‘o que você quer para Belén?’. Visibilidade. Turistas chegavam até o vizinho Candelaria, mas não a Belém. O restante da cidade também pouco conhecia o bairro, que existe desde o primeiro povoamento espanhol em 1580.
Diego trabalhou 12 anos no mercado publicitário mainstream, em 2007 participou do projeto que criou a marca Colômbia, símbolo que unificou a comunicação oficial do governo. Entendeu que, se funciona para um país, certamente funcionaria para a comunidade. Seria até mais simples, pensou, antes de se dar conta do desafio que é criar — e manter — a rede em longo prazo que esses projetos comunitários demandam.
UMA IDEIA LINDA, QUE DEPENDE DO ENVOLVIMENTO LOCAL
O processo levou tempo. Por alguns meses a Casa B foi conhecida como “a casa dos gringos”. Muito legal levar arte, fotografia, música para um bairro pobre, mas quem perguntou se era isso que eles queriam? Como resultado, os primeiros encontros foram recheados de amigos dos proponentes e esvaziados de moradores dali. Assim, eles começaram a entender a necessidade de realmente se aproximar. Diego conta:
“O principal desafio é ser bem vindo pela comunidade. É super difícil. Alguns te olham com cara de ‘você não pertence’, ‘que que esse cara está fazendo aqui?’”
Experiência própria, ele venceu isso com muita paciência, disposto a trabalhar o tempo que fosse necessário até ganhar a confiança das pessoas. Após algum tempo, um menino disse: “oy, Casa B, como não temos espaço para ver o filme do Batman?”. E assim lá vão dois anos de La Cine Huerta, um espaço de cinema comunitário, que exibe filmes… como o do Batman. Diego trabalhou no projeto, mas há cerca de um ano passou a dedicar-se apenas à Marca Comunidad.
Em sua conversa com o Draft, Diego conta que a Colômbia tem uma figura política chamada Junta do Bairro, uma instituição formada por moradores e que pode ser mal traduzida como uma subprefeitura popular. Ali, em Belén, o projeto encontrou força, propostas, ideias, trabalho.
O começo fi muito pragmático, sem experiência, pensando na propaganda aplicada localmente. Enquanto Diego, Dario e José buscavam conteúdo e forma para sua marca, perceberam que o processo em si gerava uma resposta positiva nos participantes. Afinal, eles se enchiam de alegria para falar com “os gringos” sobre o que há de bom no bairro, para pensar um Belén melhor.
“Hoje, temos uma proposta para ajudar uma comunidade a buscar suas histórias, buscar um objetivo comum. Isso alavanca a identidade com território e grupo”, afirma Diego. Ele dá exemplos disso no contato entre vizinhos. Uma reunião para falar dos pontos positivos do bairro, por exemplo, terá o dono da padaria e a senhora que vende de farinha seis ruas abaixo. “Ali, uma nova relação se dá. Simplesmente contribuir para que os vizinhos se conheçam, já gera um impacto muito importante”, diz.
Ele vê na Marca Comunidad também uma forma de organizar e expor a produção local. Em Belén, após uma série de encontros para desenhar qual seria a marca (que é como um logotipo) e debater, eles levaram oito opções finalistas para a Junta Local, que, em 2013, escolheu uma, dando início à primeira experiência da Marca Comunidad.
COMO É QUE SE FAZ A MARCA DE UM BAIRRO?
Hoje, Diego, Dario e José já levaram a metodologia para as cinco comunidades, citadas acima. Eles descrevem o trabalho. O primeiro passo é conhecer a comunidade, visitar várias vezes, encontrar grupos, produtivos, culturais. Organizar uma série de encontros e conversar muito com todos, entender o que buscam. O segundo é a fase de desenho, que por enquanto utiliza técnica mista: ou desenham tudo com as pessoas numa série de encontros, ou levam o trabalho coletivo para que desenhistas profissionais finalizem a marca.
O terceiro passo é o momento de lançamento interno. Visa garantir que a maior parte dos moradores veja a marca e entenda sua proposta. Para isso, criam campanhas de lançamento que podem ser em eventos musicais, culturais, produtivos. Também fazem vídeos e redes sociais voltados para o bairro (como este aqui, para o Belén). O quarto passo é a comunicação exterior. Nesta etapa, um grupo da comunidade e de publicitários cria um plano estratégico de comunicação externa.
Com isso a marca estará pronta. E, só então, começa o trabalho difícil: o posicionamento, o desafio real da visibilidade ao qual Diego se referia acima. Fazer isso é algo permanente e custoso. Em outras palavras:
“Eles precisam de grana e nunca há grana. Precisamos transferir essa tarefa para a comunidade, não é facil, mas se consegue”
Por exemplo, alguns donos de hotel em Nuqui vão investir para veicular a marca na web, enquanto em Belém a junta local criou jardins verticais para recuperar alguns espaços degradados e pediram a marca impressa em placa de acrílico. A Junta convocou os vizinhos para arrumar o espaço, cuidar do jardim, e lá em cima estava o logo de Belén, uma solução muito barata que também envolve a comunidade.
“Deixamos com eles os desafios de conseguir dar vida para essas marcas no tempo. Ainda não aconteceu, mas é possível que alguma marca morra. Nós não vamos estar aí a vida inteira. As coisas nascem e morrem. Não dá para forçar uma comunidade a cumprir demandas de marketing”, diz Diego.
SUCESSO, TROPEÇOS, E CONTRATO COM A ONU
A marca Bairro Belén foi um sucesso que repercutiu pelo país. Pouco depois de sua criação, a subprefeitura La Candelaria, também em Bogotá, encomendou a marca da cidade para um agência de publicidade tradicional. Não era o ideal, mas faz parte. A Marca Comunidad segue interessada no tecido social, e Diego, Dario e José encontraram sua metodologia para criar marcas em processos abertos, colaborativos, onde as pessoas se envolvem e, de algum jeito, garante o fundador, aumentando seu pertencimento ao bairro.
Cientes de que tinham algo valioso em mãos, eles escreveram sobre a experiência e apresentaram a metodologia para a Acnur, a agência da ONU para refugiados, que gostou da proposta e os contratou para implantar o método em Altos de la Florida e Vila Espanha, bairros com respectivamente 40% e 100% de sua população composta por refugiados do conflito com as guerrilhas e paramilitares que tomou conta da Colômbia nas últimas décadas.
Sua figura legal é a organização social Proyectando Imaginarios, sem fins lucrativos. Hoje, Diego Parra é co-criador da organização, que também conta com o trabalho de José Camillo Rodríguez, como diretor, e também de pessoas como Julia Romero, Diego Barajas e Carlos Moncada que se tornaram peças importantes do processo.
QUERO VIVER DISSO. COMO FAZ?
Há alguns anos Diego entendeu que não vai mais dedicar a sua semana para a Publicidade e as noites e finais de semana para Comunidade. Não, ele quer fazer isso durante o dia e inventar um jeito de ganhar dinheiro no processo. A Marca Comunidad é sua aposta. Desde outubro de 2014 o projeto, que faturou 50 mil dólares em 2015 (ao ser contratada pela Acnur) e reinvestiu a metade disso nas comunidades, também é sua única fonte de renda. Diego considera estar hoje no melhor cenário de sua vida:
“Ganho menos e tenho mais tempo para mim. Viajo, a trabalho, para lugares que as pessoas não vão normalmente e que são paraísos. Me sinto livre”
Seu projeto pessoal segue flexível: “O objetivo é fortalecer redes e tecido social, unir vizinhos, iniciativas produtivas, culturais. A marca é uma ferramenta para isso, poderia ser outra coisa, ainda não sei o que, mas no futuro, talvez. Vamos buscando a melhor forma de trabalhar”, diz. E segue construindo as marcas, e os bairros em que não se sinta “o gringo”.
Fonte: Projeto Draft