Publicidade infantil e consumismo. O assunto preocupa pais, educadores e todos os que atuam pelo bom desenvolvimento infantil. Para falar sobre estes dois temas, a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal entrevistou o professor, filósofo e autor de vários livros Mario Cortella. Confira:
Fundação Maria Cecília Souto Vidigal – A publicidade infantil está aí. Às vezes é explícita, às vezes dissimulada. Como os pais devem lidar com essa gama de informações que podem fomentar um perfil consumista nos seus filhos, futuros adultos?
Mario Sergio Cortella – Durante a vida o indivíduo recebe diversos estímulos negativos. A publicidade infantil é mais um estímulo e caberá aos pais preparar seus filhos para que tenham clareza do que ela significa. Para isso, os adultos precisam usar a sua capacidade crítica para discernir o que pode ser aceito e o que faz mal à criança. Retirá-la do contato com a publicidade não favorecerá o preparo necessário para a criança lidar com esse e outros estímulos inerentes ao dia a dia. Não ajudará a evitar a “consumolatria”, o desejo insaciável de comprar.
FMCSV – A criança quer porque quer um brinquedo inadequado ou que os pais não podem comprar. Qual a melhor forma de explicar essa situação a ela?
MSC – Não tem como explicar. Uma criança de quatro anos não consegue conectar causa e efeito. Por isso, nessa fase, só há uma alternativa: dizer não. Ou seja, a negação àquilo que é impróprio. Esse é o amor verdadeiro. É o que coloca o “não” no momento em que ele é necessário. Se a mãe diz que está sem dinheiro, a criança sabe que é mentira, porque vê os pais comprando outras coisas. Para crianças de cinco ou seis anos, pode-se fazer uma troca simbólica. Por exemplo: “Eu não pego do seu cofrinho o dinheiro pra comprar pão. Por isso, não vou usar o dinheiro do pão pra comprar o que você quer”.
FMCSV – Como você vê as leis e projetos que restringem a publicidade infantil?
MSC – Há uma boa parte delas que está pautada no bom senso. Vários publicitários adotaram a autorregulação. Temos o Conselho Nacional dos Diretos da Criança e do Adolescente (Conanda) como articulador. No entanto, isso ainda não basta. Precisamos de uma forte demanda social que faça pressão. Especificamente nesse caso, da criança e do adolescente, acho importante que haja uma regulamentação, mas não com viés de censura, porque nesses termos pode-se ampliar demais e perder o sentido. O ideal é que a construção dessa regulação aconteça por meio de parcerias que, pelo consenso, determinem os limites para as restrições e exposições.
FMCSV – Você acha que a obesidade e o desejo de consumo na infância são influenciados pela publicidade?
MSC – Acredito que estamos vivenciando o enfraquecimento da autoridade do adulto. Ambos os casos estão muito mais ligados a essa realidade do que à publicidade infantil em si. O fato de a criança se tornar obesa tem muito mais a ver com o mundo externo e a visão dos adultos. Nesse aspecto, minha preocupação com a publicidade é menor. Preocupo-me com esses pais e responsáveis pelas crianças. A obesidade é fruto de uma distorção social dos alimentos. Se a criança tem acesso ao que não é bom, ao que faz mal, é porque um adulto a colocou em contato com aquilo, facilitou o seu acesso. Também acho que a publicidade infantil não tem todo esse peso na “consumolatria”. A criança pode aprender a fazer seus brinquedos, a elaborar presentes para dar aos amigos, aos pais. Tudo isso precisa ser ensinado a ela. Não é só a publicidade, não é qualquer publicidade que causa esses desvios. O que precisamos é rever de que forma estamos nos formando, de que maneira formamos nossos filhos e netos.
* Mario Sergio Cortella é filósofo e escritor, com Mestrado e Doutorado em Educação, autor de várias obras como “A Escola e o Conhecimento” (Cortez), “Filosofia e Ensino Médio: certas razões, alguns senões, uma proposta” (Vozes), “Política: Para Não Ser Idiota”, com Renato Janine Ribeiro (Papirus), “Educação e Esperança: sete reflexões breves para recusar o biocídio” (PoliSaber), “Educação, Convivência e Ética” (Cortez).
Fonte: EBC