Magistrados brasileiros têm se sentido “forçados” a sempre condenar réus em ações penais, acuados pelo receio de uma avalanche de críticas, e como consequência passaram a perder a independência para julgar da maneira que lhes parecer mais acertada.
Esse é o diagnóstico do corregedor nacional de Justiça, João Otávio Noronha, também ministro do Superior Tribunal de Justiça. Ele proferiu palestra em Belo Horizonte nesta quinta-feira (15/09), no segundo dia do XX Congresso Internacional de Direito Tributário. O evento, que vai até sexta (16/9), é organizado pela Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt).
O maior responsável por essa intimidação de juízes é a imprensa, afirmou Noronha. Como exemplo disso, ele citou a recente edição da revista Veja que “colocou uma foto do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli na capa, acusando-o de envolvimento com empreiteiras, mas na reportagem descreveu condutas que não são ilegais, nem sequer antiéticas”.
Segundo o ministro, os veículos de mídia – e, em menor grau, a polícia, o Ministério Público, o Conselho Nacional de Justiça e as corregedorias – fazem intensa pressão para magistrados mandarem prender, condenarem e proferirem decisões contra o Estado. E quem concede a ordem em pedido de Habeas Corpus ou dá razão a uma pessoa ou empresa em causa contra a Administração Pública logo é tachado de “corrupto” ou “vendido”, destaca.
Para ilustrar seu argumento, o corregedor citou o tratamento que o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, recebeu na época do julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão.
“Fiquei indignado quando vi Lewandowski ser hostilizado no avião, no restaurante. Que país é esse que juiz não pode manifestar seu entendimento? Quem perde é o povo. O jovem de hoje não sabe o que foi a ditadura militar. Mas nem esta foi tão cruel quanto a mídia tem sido com os magistrados”, opinou.
Porém, o ministro reconheceu que parte da culpa por essa pressão é dos próprios juízes, que fixam baixas reparações em casos de abuso da liberdade de imprensa. A seu ver, “manchetes de jornal que aniquilam histórias de vida” devem ser punidas com indenizações rigorosas.
Excesso de formalidades
João Otávio Noronha também criticou o excesso de discussões sobre formalidades processuais. Nessa briga, os profissionais do Direito acabam perdendo a noção de que o “processo só serve para realizar o direito material”. E essa animosidade é ainda mais acentuada no Direito Tributário, destacou, mencionando o alto número de medidas judiciais desnecessárias.
Uma inspiração que o Brasil poderia seguir para mudar esse cenário é a dos EUA, declarou o ministro. “Nos EUA, me impressionou o poder do Fisco de negociar. Ele faz abatimentos, oferece condições de pagamento. Mas aqui no Brasil não daria certo. Iriam pegar um caso de corrupção e generalizar, ou antes de tentar essa alteração já iriam bombardeá-la de críticas, porque ninguém quer receber, todo mundo quer brigar”.
Baixa qualidade
No mesmo evento, o professor da PUC-MG Marcelo Jabour Rios avaliou que a cobrança de impostos é ineficiente devido à baixa qualidade dos créditos tributários. E isto é resultado da guerra fiscal, dos conflitos de competência e do desrespeito aos princípios constitucionais por todos os entes da federação.
Conforme Rios, os únicos mecanismos não judiciais de satisfação do crédito tributário válidos são aqueles previstos no Código Tributário Nacional, como parcelamento, anistia, remissão, compensação, dação em pagamento em bens imóveis e transação.
Outras medidas têm constitucionalidade discutível, disse o tributarista. O protesto de Certidão da Dívida Ativa é um meio coercitivo de cobrar impostos, e já foi invalidado diversas vezes pelo STF. Já a securitização de recebíveis de parcelamentos e sua venda como títulos no mercado financeiro faz algo que não é permitido: transferir créditos tributários.
Recusa sem sentido
Já o professor da Fumec Rafhael Frattari afirmou não enxergar motivo para que o seguro-garantia não suspenda a exigibilidade do crédito tributário. Na visão do STJ, somente o depósito judicial em dinheiro gera esse efeito. Isso porque essa é a única hipótese prevista no Código Tributário Nacional.
No entanto, Frattari considera a interpretação do STJ ultrapassada. Fazendo uma análise sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, ele considera que cabe o uso do seguro-garantia em ações tributárias com suspensão da exigibilidade, já que normas como a Lei de Execução Fiscal e o novo Código de Processo Civil admitem esse mecanismo.
Além do mais, o seguro-garantia é tão confiável quanto o depósito em dinheiro, declarou o professor. “Já vi magistrados porem em dúvida a efetividade do seguro-garantia. Ora, se tivermos essa dúvida, ninguém mais faz seguro de carro”. Ele ainda ressaltou que o próprio Fisco aceita essa forma de proteção.
Fonte: Conjur