Notícias falsas nas mídias sociais: qual a solução?

Google, Facebook e Twitter se comprometem a combater as notícias falsas, o discurso de ódio e o abuso em meio à revolta provocada pelo fato de que esse conteúdo possa ter influenciado a eleição presidencial nos Estados Unidos. A contestação poderia ter ocorrido mais cedo – e são muitas as questões preocupantes que persistem, segundo especialistas.

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O Google afirmou que impediria os sites que veiculam notícias falsas de acessar a plataforma de publicidade AdSense, que ajuda esses portais a gerar receitas com a publicidade neles veiculada. O Facebook declarou que não integraria ou exibiria anúncios em sites ou aplicativos de conteúdo ilegal, enganador ou falso, inclusive os que veiculam notícias “falsas” ? reportagens que são propositalmente e factualmente incorretas. O Twitter afirmou em uma declaração que removeria a conta de quem postasse comentários ofensivos, o que viria a se somar a medidas anteriores que ajudam o usuário a “silenciar” conteúdos desse tipo e a informar o abuso ocorrido. São medidas da empresa calcadas em sua política de combate ao discurso de ódio e outros conteúdos ofensivos.

“Seguir o dinheiro é a estratégia certa para evitar abusos desse tipo”, avisa Jennifer Golbeck, diretora do Laboratório de Inteligência Social e professora de estudos da informação da Universidade de Maryland. “As novas medidas tomadas por essas empresas realmente tiraram a principal fonte de renda desses sites, já que é isso o que justifica antes de mais nada sua existência”, observa ela. Jennifer recorda que muitos dos indivíduos e organizações que postam notícias falsas, inclusive durante as últimas eleições nos Estados Unidos, não estão em território norte-americano e não se importam com as ideologias por trás do conteúdo. “Eles só se preocupam em ganhar dinheiro, e para tanto descobriram formas de criar feeds de cliques que lhes tragam o valor desejado”, reitera.

“As empresas de mídia social são amparadas por uma lei [seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações] que lhes dá uma certa proteção legal para o conteúdo existente em suas plataformas, contanto que elas não descambem muito para funções editoriais”, ressalta Andrea Matwyshyn, professora de direito da Universidade Northwestern e pesquisadora afiliada ao Centro de Internet e Sociedade da Faculdade de Direito de Harvard. “As empresas estão procurando se amparar legalmente para criar o tipo certo de ambiente para sua perspectiva corporativa, mas também para não entrar em conflito com o complemento da seção 230 do CDA que lhes confere um escudo de proteção legal”, analisa Andrea.

Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, que resistia anteriormente a acusações de que sua empresa, sem querer, havia permitido a proliferação de notícias falsas, já não nega mais. Em um post de 18 de novembro, ele descreve como sua empresa planeja colocar em ação uma estratégia com várias frentes para evitar que notícias falsas sejam compartilhadas em seu site. Mesmo assim, ele afirmou que há limites: “Não cobiçamos ser os árbitros da verdade; em vez disso, queremos confiar em nossa comunidade e em parceiros terceirizados merecedores de crédito”, escreveu.

Até onde será possível chegar?
O que importa saber é se o Facebook e outras grandes plataformas de mídia social se responsabilizarão pelo seu papel na criação de um ambiente de informações, conforme explica Kevin Werbach, professor de estudos jurídicos e de ética nos negócios da Wharton. “Elas não querem pensar em si mesmas como empresas de mídia, no entanto desempenham o mesmo papel que as mídias tradicionais desempenhavam ao influenciar a opinião pública. E com a influência vem a responsabilidade”, cobra Werbach.

O governo deveria juntar-se às redes sociais e formar uma frente mais forte? Regulações e leis poderiam ajudar, mas o desafio consiste em implementar as leis, assinala Jonah Berger, professor de marketing da Wharton. “O que para uma pessoa é pornografia, para outra é arte. No caso das crenças religiosas, a verdade de uma pessoa não passa de falsidade para outra. É aí que as coisas ficam confusas”, explica Berger. As redes de mídia social têm um limite para impedir a veiculação de notícias falsas, reitera Pinar Yildirim, professora de marketing da Wharton. “Jornais sérios ? guardiões da informação ? geralmente fazem um trabalho muito melhor de checagem dos fatos antes de publicar e distribuir as notícias. Uma vez que as barreiras à distribuição de informação são muito menores hoje em dia, é difícil para uma plataforma como o Facebook filtrar uma informação em larga escala. Além disso, a rede social não quer ofender o usuário bloqueando seu conteúdo”, acrescenta Pinar.

A sedução dos negócios
Dar poder ao usuário para ele decidir o que quer ver e o que prefere evitar também faz sentido do ponto de vista das empresas. “Depois da polarização observada na eleição deste ano, ficou claro que dar maior controle ao usuário sobre o tipo de informação a que está exposto fará com que ele, provavelmente, continue a usar essas plataformas. Na ausência dessas ferramentas, o usuário poderá desfazer a amizade com seus contatos ou interagir menos com as plataformas para evitar perturbações ou conteúdo desagradável”, descreve Pinar.

As estratégias adotadas pelo Twitter protegem não apenas seus usuários, mas também a imagem da marca, anteriormente bastante prejudicada ao permitir a veiculação de discursos de ódio. Jennifer lembra que o Twitter, na semana passada, suspendeu as contas de alguns grupos de neonazistas. Andrea não vê com muito entusiasmo estratégias desse tipo. Ela disse que o Twitter tem um contrato com seus usuários e que a empresa prescreve os termos da interação, que hoje inclui, entre outras coisas, a proibição do discurso de ódio em sua plataforma. “As medidas tomadas agora se resumem simplesmente à aplicação corriqueira do contrato”, enfatiza.

Mais importante do que isso talvez seja o fato de que a perspectiva de negócios do Twitter poderia ganhar impulso num momento em que a empresa continua em busca de comprador. “O Twitter assistiu à transformação da sua plataforma sob diversos aspectos: hoje ela é o escoadouro de coisas terríveis ? como contas anônimas, o que tornou a plataforma um lugar realmente perigoso para muitos usuários”, alerta Jennifer. “Pensando apenas na imagem da empresa, além do fato de que as coisas que vêm acontecendo estão afetando realmente seu negócio e a percepção de valor da companhia, não poderia haver momento melhor para o Twitter começar a colocar em prática medidas drásticas”, emenda Jennifer. Nos últimos meses, várias companhias ? entre elas o Google e a Disney ? asseguraram estar interessadas na compra do Twitter, mas algumas aparentemente desanimaram de fazê-lo diante do discurso de ódio e do abuso permitidos no site.

Além das medidas recentes de combate ao abuso, o Twitter também vem testando outro método. “A ideia de que a identidade de quem fala se torna marca de credibilidade”, explica Andrea. Nesse método, a plataforma não filtra as ideias, mas confere credibilidade ou índices de confiança a quem fala. A ideia poderia ser extrapolada sob alguns aspectos para outras plataformas. De acordo com Jennifer, a confiabilidade a que Andrea se referiu poderia ser também incorporada aos resultados das pesquisas de busca do Google. “O Google tradicionalmente faz isso da seguinte forma: toda vez que alguém acessar o link da sua página, isso contará como voto de que você é confiável”, conta Jennifer, acrescentando que isso não é mais necessariamente verdadeiro nas atuais circunstâncias.

Por que não antes?
Werbach comenta que o Facebook e outros sites baseados em publicidade têm um modelo de negócio que recompensa a atividade – e não a qualidade ou a precisão. Isso poderia constituir um conflito de interesse no que diz respeito até que ponto elas estariam dispostas a ir para combater as notícias falsas ou o discurso ofensivo. “O fato de que o Facebook e o Google tenham esperado o fim da eleição ? e a queda das receitas dos sites de notícias falsas ?, antes de fazer alguma coisa, é um dado muito desfavorável”, opina Werbach.

Outros preferem dar às empresas o benefício da dúvida. “Acho que a liderança do Twitter tem uma postura de proteção ao discurso, mesmo quando ele é desagradável ou problemático. A posição histórica tradicional deles sempre foi a de encorajar o livre intercâmbio de conteúdo”, defende Andrea. “Essa [última estratégia] constitui uma mudança de pensamento da empresa no que diz respeito ao equilíbrio entre uma troca irrestrita de informações e a criação de um ambiente mais seletivo e respeitoso em sua plataforma”, emenda. “Para alguém que está de fora, é fácil dizer que eles deveriam ter agido antes. Pessoalmente, gostaria que o tivessem feito, especialmente no caso dos discursos de ódio e das notícias falsas. Contudo, já que as redes de mídias sociais querem dar respaldo ao livre discurso, fica difícil saber até onde ir nesse caso. Como é que se sabe se algo constitui discurso de ódio ou se é uma notícia falsa?”, indaga Berger. “No momento em que você começa a restringir certas coisas, elas tomam um rumo irreversível e você fica exposto à ação legal”, reitera.

O corriqueiro combate ao abuso
“Essa é uma batalha constante dos motores de busca”, observa Jennifer. “Eles têm uma maneira de classificar o que é bom, mas as pessoas que querem interagir com o que é ruim encontram uma maneira de driblar o sistema. A tarefa do Google agora consiste em marcar os conteúdos de notícias falsas que aparecem nos primeiros lugares dos resultados de busca e enviá-los para posições de menos destaque”, aconselha. Pinar cita outro ponto negativo. Ela disse que é preocupante o que essas novas ferramentas farão para segregar on-line essas pessoas ajudando, dessa forma, a criar “câmaras de eco”. Por exemplo, um indivíduo que se inclina para a extrema direita poderá bloquear conteúdo de partidários do Partido Democrático, ficando exposto a pontos de vista potencialmente parciais.  “Esse indivíduo lerá o tempo todo como é ruim o Obamacare, como os impostos estão altos e que os empregos na indústria de manufatura poderão ser levados de volta para os EUA etc. Ele acabará pensando que todo o mundo pensa como ele. E com isso questionará menos algumas falsas crenças”, adverte Pinar. Ela lembra que as empresas de mídia tomaram medidas para filtrar conteúdos ofensivos antes da controvérsia, mas não foram suficientes. “Elas consistiam, via de regra, em um algoritmo que busca e automaticamente deleta certos comentários. Em seguida, uma equipe encarregada de moderar as conversas faz verificações manuais”, explica Pinar.

O alcance das notícias falsas
O dano que as falsas notícias podem causar são naturalmente enormes. Uma reportagem recente do New York Times detalhou um post falso sobre manifestantes levados de ônibus para um encontro com Trump em Austin, no Texas. Eric Tucker, um dos fundadores de uma empresa de marketing da cidade, escreveu em um tuíte que manifestantes pagos estavam sendo levados para fazer protestos contra Trump. Ele ainda não havia checado o que havia tuítado, mas seu post foi compartilhado pelo menos 16 mil vezes no Twitter e mais de 350 mil vezes no Facebook. “O resultado foi que o post alimentou uma teoria da conspiração que se espalhou por todo o país ? e que Trump ajudou a promover”, declarou o New York Times. “Ninguém mais checa nada ? isto é, foi assim que Trump se elegeu”, afirmou Paul Horner em uma matéria recente. Ele se diz responsável por muitos posts de notícias falsas em uma entrevista ao Washington Post. “Acho que Trump está na Casa Branca por minha causa”, declarou ao jornal.

“As pessoas por trás das notícias falsas talvez estejam comprometendo também o navegador e o aparelho dos usuários atrelando-os a uma botnet ou talvez tenham em mente algum outro motivo abominável. A batalha aqui consiste também, em parte, em proteger o usuário de males invisíveis à segurança, além da questão do conteúdo”, adverte Andrea. A professora se lembra de um caso recente em que hackers se conectaram a aparelhos domésticos com tecnologia de Internet das Coisas, como webcams, e os ligaram a uma botnet [coleção de softwares conectados à internet que se comunicam com outros programas similares, a fim de executar tarefas] que derrubou o Twitter e outros sites muito conhecidos por um dia.

O que ainda falta fazer
Lidar com notícias falsas e com outras formas de distorção das plataformas de mídias sociais será um processo de múltiplos aspectos, opina Werbach, acrescentando que não há nenhuma fórmula mágica à vista. “Para avançar nesse processo será preciso uma combinação de supervisão humana, algoritmos criados para excluir o que é falso ou abusivo e ferramentas que deem mais poder ao usuário”, acrescenta.

Andrea conta que o Federal Trade Commission [órgão regulador de práticas comerciais dos EUA, onde ela trabalhou como conselheira sênior de políticas], ainda não analisou esse tipo de filtragem de conteúdo. Primeiro, haverá uma evolução no setor privado, antes que o governo se envolva ainda mais para frustrar as ameaças à segurança, segundo ela. “Uma resposta drástica demais do governo seria algo prematuro neste momento”, reitera. Seja como for, as redes de mídias sociais não têm a opção de não fazer coisa alguma para evitar as notícias falsas. “Em algum momento, se elas não reconhecerem os efeitos nocivos das notícias falsas, o Facebook se verá diante de um movimento de oposição por parte de usuários e órgãos reguladores”, recomenda Werbach. “A única razão pela qual essas empresas não são legalmente responsáveis pelo upload de conteúdo falso e malicioso dos seus usuários se deve ao fato de que o Congresso incluiu uma cláusula, em 1996, em sua tentativa de banir material indecente on-line para proteger empresas ‘boas samaritanas’ e incentivar o crescimento das plataformas on-line”, recorda.

“No momento em que as plataformas de mídias sociais tentarem diminuir o incômodo e as notícias falsas, elas serão criticadas severamente pelos conservadores”, prevê Werbach. Na verdade, ele observou que várias avaliações independentes constataram que as notícias falsas eram muito mais predominantes e influentes do lado favorável a Trump. “Espero que as plataformas de mídias sociais tenham a coragem de permanecer firmes, pois elas precisam estar abertas em relação ao que estão fazendo – bem como dispostas a evoluir suas técnicas baseadas em resultados”, reitera Werbach.

*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e pela Universia, rede de universidades que tem o apoio do Banco Santander.

Fonte: Amanhã