Para além do noticiário: comunicação alternativa como elemento para ampla formação cidadã. Entrevista especial com Ermanno Allegri

“Um dever absoluto nosso é construir meios alternativos de comunicação”, frisa o idealizador da Adital

“Uma coisa é querer fazer a cabeça oferecendo informações idiotas, outra coisa é oferecer para as pessoas o tipo de material que as faz pensar”. É assim que Ermanno Allegri, ao mesmo tempo, defende veículos de informação alternativa e critica a chamada mídia tradicional. Para o italiano, que está no Brasil há mais de 40 anos, em momentos de ebulição como o que vive o país é que se evidencia a necessidade de fazer circular a chamada informação alternativa. “A palavra alternativa quer dizer diferente e, às vezes, até em contraposição, porque, de fato, o tipo de informação que trabalhamos é completamente diferente daquilo que a mídia oficial trabalha”, destaca, ao se referir ao trabalho que vem fazendo junto à Adital – Agência de Informação Frei Tito para América Latina.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Ermanno informa que a Adital entra em um outro momento. É uma nova fase em que busca associação com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU para manter viva essa missão de trazer informação alternativa. A partir de segunda-feira, 04-04-2016, o IHU assume definitivamente a veiculação dos conteúdos da Adital. “Percebo que é uma parceria que pode garantir que a Adital não desaparecerá, porque o tipo de informação que nós fornecemos vai ao encontro da filosofia de informação que o IHU trabalha”, destaca.

Ermanno não dissocia a ideia de informação da de formação. Para ele, só é possível ter uma compreensão ampla da realidade em que se vive quando se é alimentado por notícias que complexifiquem o debate, e não apenas defendam um lado. “Devemos nos convencer de uma coisa: esses grandes veículos da imprensa nacional e internacional não são veículos que se colocam dentro de uma crise política, eles são parte essencial da crise”, pontua. “Eu não quero fazer a cabeça de ninguém com a Adital, mas quero que as pessoas tenham em mãos não só a informação que vem dos grandes meios”, completa.

Ermanno Allegri é idealizador da Adital. Padre italiano, naturalizado brasileiro, foi coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT. Criou uma agência de notícias chamada AnotE (Agência de Notícias Esperança) com o intuito de inserir nas grandes mídias notícias sobre as atividades sociais realizadas no estado do Ceará.

Confira a entrevista.

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Foto: Cristina Guerini / IHU

IHU On-Line – Como surgiu a Adital? Qual seu propósito?

Ermanno Allegri – A Adital começou de uma conversa com Frei Betto, que conheceu um empresário italiano que se ofereceu para financiar a Adital por algum tempo. Iniciamos os trabalhos no ano 2000, no mesmo período do Fórum Social Mundial. Tivemos que partir praticamente do zero, buscando as fontes e também o destino para a informação que produzimos. Iniciamos articulações com as pessoas que poderiam contribuir de um jeito ou de outro com aAdital, e ali foi andando. Hoje, chegamos a mais de 100 mil endereços de pessoas que recebem nosso material. Contamos ainda com alguns milhares de pessoas como fontes que nos enviam notícias e artigos. São textos escritos por pessoas de certo destaque em seus países.

Podemos dizer que esse espírito da Adital já existia numa iniciativa pequena, que era uma agência de notícias local. Foi assim que Frei Betto veio com a proposta dessa agência paraAmérica Latina.

O propósito

A finalidade da Adital era fornecer informação à América Latina e ao mundo sobre aquilo que se está construindo emsetores sociais na América Latina. Por setores sociais entendemos todas as organizações desde partidos de esquerda até pequenas comunidades locais. O objetivo era o de ajudar o mundo a conhecer este trabalho continuado, de formiga.

A finalidade era exatamente esta: fazer com que nós, na América Latina, em primeiro lugar, e depois o mundo conhecesse todo o trabalho que estava acontecendo. Trabalho que, muitas vezes, estava escondido, mas que visava construir cidadania e democracia na América Latina, para sair daqueles 500 anos de dependência que nós conhecemos muito bem.

IHU On-Line – Como se dá a parceria entre Adital e o Instituto Humanitas Unisinos – IHU?

Ermanno Allegri – Houve um período em que tínhamos algum apoio de entidades que financiavam e de pessoas que tinham simpatia com o trabalho da Adital. Só que as entidades financiadoras, depois de um tempo, pedem que os grupos se articulem para se tornarem autônomos. E em uma agência de notícias da América Latina isso é bem complicado. Por isso, já há uns seis ou sete anos, trabalhamos num projeto que pudesse garantir a continuidade para o trabalho da Adital.

Dentro desse leque de possibilidades que estávamos analisando, apareceu o nome do IHU. Em primeiro lugar, porque conhecíamos o tipo de informação que circula pelo Instituto e, depois, por conta da proximidade que tínhamos com algumas pessoas da instituição. Assim, a ideia da aproximação foi se estruturando até chegarmos à concretização da parceria. Percebo que é uma parceria que pode garantir que a Adital não desaparecerá, porque o tipo de informação que nós fornecemos vai ao encontro da filosofia de informação que o IHU trabalha. Então, esse é o motivo principal da parceria: confiança no tipo de informação e na competência que o IHU demonstra.

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IHU On-Line – Como o senhor entende o conceito de mídia alternativa? Como o trabalho da Adital se insere nesse contexto?

Ermanno Allegri – Essa ideia de mídia/informação alternativa surgiu há vários anos. A palavra alternativa quer dizer diferente e, às vezes, até em contraposição, porque, de fato, o tipo de informação que trabalhamos é completamente diferente daquilo que a mídia oficial trabalha. Por quê? Porque as nossas fontes vêm daquelas atividades, grupos e movimentos que estão preocupados com uma construção de democracia e participação. São movimentos que também têm a finalidade de demonstrar aquilo que entende que deve ser o trabalho de qualquer governo, em qualquer país. É olhar para as camadas que atualmente estão ainda na miséria, na pobreza, que precisam de desenvolvimento em educação e formação.

Assim, alternativa para nós quer dizer conteúdos diferentes, conteúdos de fato ligados aos interesses populares. Isso também inclui o trabalho de Igreja, por exemplo. Eu me refiro ao trabalho dos teólogos da libertação, dasComunidades Eclesiais de Base – CEBs, toda essa reflexão que vem de Igrejas que estão mais inseridas nas lutas populares. Percebíamos que todas essas atividades eram de fato um diferencial. Assim, passamos a contar com fontes que viviam e que sofriam a realidade, que muitas vezes eram perseguidos, e que não estavam nos veículos tradicionais. Dessa forma, o trabalho da Adital foi sustentado por esta ideia e, ao mesmo tempo, sustentou esse tipo de informação.

IHU On-Line – Quais os desafios para se manter enquanto mídia alternativa? Como garantir recursos financeiros para o funcionamento de veículos de comunicação alternativa? E como assegurar que a forma de financiamento não interfira na orientação editorial, permitindo a manifestação independente?

Ermanno Allegri – Do ponto de vista editorial, sinceramente, nunca tivemos dificuldades no sentido de alguém falar que determinada matéria deve ou não ser publicada. Acredito que seja porque as entidades que financiaram a Aditalaté hoje, entidades da Europa, Estados Unidos, Brasil, já têm por praxe o apoio aos movimentos sociais que também são alternativos. Somos encorajados também por nossos leitores, pois eles contribuíam financeiramente para mantermos esse tipo de produção.

Porém, é claro que o financiamento para nós se tornou algo complicado, como referi antes. Até porque na internet é difícil convencer as pessoas a financiar completamente um tipo de produção como da Adital. Chegamos a fazer várias campanhas de financiamento para a auto-sustentação, mas nunca passamos de 20% daquilo que de fato precisávamos para manter a Adital — uma estrutura mínima com três ou quatro jornalistas, com custos de 500 mil Reais por ano. Além disso, ultimamente têm surgido muitos sites como o da Adital. Antigamente, esses espaços não existiam.

Apesar disso, os nossos acessos aumentam continuamente, em um universo de cerca de 100 mil endereços que recebem a Adital em casa [via Newsletter], embora esse número nem sempre corresponda a compromisso financeiro.

“Uma coisa é querer fazer a cabeça oferecendo informações idiotas, outra coisa é oferecer para as pessoas o tipo de material que as faz pensar”

IHU On-Line – Qual é o papel da imprensa alternativa no atual contexto político do Brasil?

Ermanno Allegri – Há uma articulação grande e ampla de sites que nós chamamos de alternativos, porque nós queremos fornecer a informação verdadeira. Acompanhando a imprensa “oficial”, sentimos nojo, ficamos enjoados com certo tipo de informação que não tem nada de verdadeiro e é pior ainda em termos de jornalismo. Diante disso, podemos reparar que o sucesso da informação dos meios alternativos está crescendo muito. Outro dia, um blogueiro dizia: no dia da passeata dos “coxinhas” de São Paulo, havia mais leitores no meu site do que gente na Paulista.

Busca de novas vozes

Tenho uma folha em que listei uns 12 sites e blogs alternativos. Certo dia, estava em uma escola da periferia onde me chamaram para fazer uma análise de conjuntura. Levei essa folha e lá eu falei aos jovens: se vocês querem se informar da situação, escutem outras vozes. Não vejam só a televisão, a imprensa tradicional. Assim, forneço essa possibilidade de ter uma imprensa e uma informação alternativa. Acredito que isso é essencial, porque senão ficamos ligados a uma série de mentiras que querem fazer a nossa cabeça.

Uma coisa é querer fazer a cabeça oferecendo informações idiotas, outra coisa é oferecer para as pessoas o tipo de material que as faz pensar. Eu não quero fazer a cabeça de ninguém com a Adital, mas quero que as pessoas tenham em mãos não só a informação que vem dos grandes meios. É preciso ter outros elementos para que se possam criar as próprias ideias e pensamentos e, a partir disso, tomar decisões que sejam amadurecidas em uma base ampla de informação, e não em uma base única de informação.

IHU On-Line – Como avalia o papel que vem sendo desempenhado pelos grandes veículos da imprensa nacional na cobertura da atual crise política do Brasil?

Ermanno Allegri – Devemos nos convencer de uma coisa: esses grandes veículos da imprensa nacional e internacional não são veículos que se colocam dentro de uma crise política, eles são parte essencial da crise. A Globoé testa de ferro de todo esse trabalho, faz parte do comitê do golpe. Eles participam e discutem formas de enganar e noticiar para que a ação deles — que eles sabem mais do que nós que é ilegal, inconstitucional — seja encoberta, apareça como algo natural e normal. Assim, seu objetivo é que as pessoas tenham uma adesão a esse tipo de ação. Desse modo, os meios de comunicação hoje são tão responsáveis por fomentar o golpe quanto os militares de 1964.

“Grandes veículos da imprensa nacional e internacional não são veículos que se colocam dentro de uma crise política, eles são parte essencial da crise”

IHU On-Line – Quais os riscos que se corre quando a imprensa, enquanto instrumento social de comunicação, torna-se refém de um sistema capitalista financeiro?

Ermanno Allegri – Em primeiro lugar, há meios de comunicação que são concessões do Estado. Eu acredito que o Estado — no caso do Brasil — deve cortar essas concessões e o financiamento de propaganda, isso em nome da democracia. É claro que, se eles lerem isso que defendo, dirão que se trata de censura. Mas a maior censura é aquela que esses meios “oficiais” de comunicação estão exercendo hoje, quando eles cortam toda uma série de informações — eu diria que 80% das informações que eles teriam obrigação de colocar para o público são omitidas.

Informação como mercadoria

Esses veículos de comunicação tradicionais dependem de financiamento, que entra por meio da venda de espaços publicitários. É assim que o capital financeiro e seus interesses entram nos meios de comunicação. Por exemplo, eles não podem falar mal das empreiteiras que expulsam famílias na periferia ou em um bairro central para poderem construir uma série de apartamentos, porque, se colocarem uma notícia dessas no ar, as imobiliárias podem dizer: “não coloco mais em seu jornal a propaganda de empreendimentos imobiliários”. Então, é lógico e claro que eles abafam um tipo de informação porque vende outro tipo de informação. Hoje, mais do que nunca, isso parece claro. E é algo que não ocorre só no Brasil, mas em nível internacional.

IHU On-Line – Em que medida a lógica do jornalismo dos veículos de comunicação de massa, aquela que busca a grande manchete e o grande espetáculo, influencia na formação das pessoas? Como assegurar que a mídia alternativa não caia apenas nessa lógica?

Ermanno Allegri – Isso faz parte do esquema, por exemplo, no Brasil, de um golpe que está sendo construído. Então, esse tipo de informação [que busca manchete, o espetáculo] é necessário para os golpistas porque de outro jeito eles não teriam como fazer a cabeça das pessoas. O que interessa, de fato, nesse tipo de informação é ridicularizar, mentir e mostrar algumas pessoas, como Lula e Dilma, por exemplo, como desprezíveis. Assim, pessoas que sempre tiveram uma postura pessoal ética de repente aparecem como vilão da história, aquele que no final das contas enganou os outros.

Apenas olhando as manchetes de alguns jornais é possível perceber que são manchetes em um sentido único, mão única. Nunca as manchetes, por exemplo, da Folha de São Paulo, trazem qualquer coisa que possa parecer positiva ou que possa sustentar o contragolpe ou a honestidade. A presidente Dilma, por exemplo, nunca foi acusada formalmente de corrupção. Mas o clima que se cria ao redor da pessoa é absolutamente falso e tem a finalidade de derrubar um governo e uma pessoa. É assim que se tem diariamente um bombardeio de revistas, diários e televisão com informação de mão única. Logo, se alguém lê essas coisas tem a impressão de que só há essa informação. Eu também, às vezes, dou uma olhada nessas manchetes, mas é claro que tem que ter um filtro. E um filtro bom.

IHU On-Line – Qual o papel da mídia alternativa frente aos veículos de comunicação de massa? Qual a sugestão para que possamos acompanhar as notícias destes veículos, mas para uma formação cidadã?

Ermanno Allegri – Eu falo de filtro, e filtro quer dizer o quê? As pessoas devem ter a capacidade crítica de perceber o que é informação séria e real e o que é uma informação construída. Se olharmos nos últimos meses a capa de certa revista, nos revoltamos. As bancas de jornal estão cheias dessas capas e desses títulos. É preciso buscar uma base diferente de informação para que se tenha a capacidade crítica para ler o jornal e ver um noticiário.

Eu sempre digo que a pior mentira é a meia verdade. E quando você coloca essa meia verdade fingindo, inclusive, isenção, objetividade, você sonega um tipo de informação para a pessoa entender o que está de verdadeiro naquele acontecimento. Falta uma informação completa e isso colabora para construção de uma sociedade que se sustenta e toma decisões em cima de mentiras e inverdades.

“Uma vez que percebemos que o que está em jogo é a democracia, a América Latina, a liberdade do mundo e do capital, podemos também perceber o grande engano que está por baixo dos grandes meios de comunicação”

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Ermanno Allegri – Eu acho que um dos grandes erros dos governos anteriores — Lula e Dilma — foi ter se descuidado da questão da comunicação. Um dever absoluto nosso é construir meios alternativos de comunicação. Aqui noCeará, temos três perspectivas: uma, vinda de uma revista semanal, que está quase pronta, já está sendo editada em várias capitais; a segunda, de um programa de rádio do Movimento pela Democracia Participativa, um programa de uma hora diária, que faz duas ou três semanas que está no ar; e um programa de televisão de meia hora.

Nós devemos construir esses meios alternativos e nos articular com esses outros meios alternativos, afinal temos um monte de boletins de programas de rádio. Um esforço que estamos tentando fazer aqui no Ceará é exatamente articular esses meios ao redor de alguns programas, revistas e sites que possam se tornar uma referência segura de informação, inclusive para, em alguns momentos, ter um tipo de informação mais unificada. Não é que isso desvirtue os vários meios de comunicação. Não, cada um teu seu rosto, a sua capacidade de comunicar, o seu esquema. Mas devemos ter em alguns momentos a “tropa de choque” alternativa também da comunicação, no sentido de ajudar a pessoa a formar a informação e, ao mesmo tempo, a formação, para produzir um esquema mental.

Uma vez que percebemos que o que está em jogo é a democracia, a América Latina, a liberdade do mundo e do capital, podemos também perceber o grande engano que está por baixo dos grandes meios de comunicação. E, do outro lado, acreditamos que nós podemos, se nos articularmos com inteligência, competência e profissionalismo, ter uma força até maior que os outros.

Por João Vitor Santos

Fonte: Unisinos