Pela ampla divulgação dos resultados do Enem

Confira o artigo publicado no jornal O GLOBO, onde o professor Reynaldo Fernandes, ex-presidente do Inep e ex-membro do Conselho Nacional de Educação, avalia que a “decisão do MEC de não mais divulgar os resultados do Enem por escolas reacende o debate sobre a produção, divulgação e uso de informações educacionais”.

 

A decisão do MEC de não mais divulgar os resultados do Enem por escolas reacende o debate sobre a produção, divulgação e uso de informações educacionais. O argumento para tal decisão parece ser o de evitar interpretações “erradas” e usos “inadequados” dos resultados por parte da sociedade. Já houve tempo em que o IBGE restringia a concessão dos microdados da Pnad sob as mesmas justificativas. Desde então, avançamos muito na transparência das informações produzidas pelo poder público, mas, por vezes, vivenciamos retrocessos, como o que observamos agora no caso do Enem.

O desempenho médio dos alunos da escola no Enem é uma informação relevante para quem precisa tomar decisões sobre o assunto, o que justifica sua divulgação. As evidências indicam que a ampla divulgação de resultados dos estudantes em exames externos eleva a proficiência discente nesses exames.

Nenhum exame é uma avaliação inquestionável da qualidade das escolas. Primeiro, as escolas perseguem múltiplos objetivos que vão além do que é pedido pelos exames. Segundo, os resultados de exames estão sujeitos a erros de medida. Por fim, o aprendizado não é uma consequência direta e exclusiva do trabalho das escolas: depende também da bagagem cultural e familiar dos estudantes, de suas habilidades inatas, da influência de seus pares etc.

Avaliar, segundo os dicionários, significa atribuir valor ou importância a alguma coisa e, portanto, exprime um julgamento. Por esse ponto de vista, o desempenho no Enem não é propriamente uma avaliação, mas um indicador que auxilia na formação de um juízo avaliativo sobre as escolas. Aqueles que defendem a ampla divulgação dos resultados de exames supõem que mais informações permitem melhores avaliações e, por consequência, melhores decisões. Por sua vez, aqueles que são contrários à ampla divulgação dos resultados parecem considerar o oposto.

Os adversários da ampla divulgação de resultados educacionais possuem uma visão pessimista do uso social da informação. Eles desconsideram que pode ser mais fácil para o público diretamente interessado extrair o “sinal de qualidade” de determinada escola ao, por exemplo, compará-la com escolas próximas e/ou que possuem público similar. O público interessado pode ter melhores condições de estabelecer o parâmetro correto de comparação do que qualquer analista distante dessa realidade. Quanto aos erros de medida, os mesmos podem ser amenizados ao se considerar o desempenho da escola em mais de uma edição do exame. Por fim, o incentivo dado pela divulgação para que as escolas enfatizem os conhecimentos e habilidades exigidos pode ser positivo, caso o exame se concentre nos conteúdos considerados mais fundamentais.

O Enem possui algumas vantagens sobre outros exames nacionais: vai além de matemática e leitura, inclui escolas particulares e, por ser instrumento de seleção das universidades, os alunos tendem a realizá-lo com mais comprometimento. A responsabilidade (e interesse) pela inscrição no Enem é do próprio aluno, o que reduz a possibilidade de manipulação por parte das escolas.

Um problema com a divulgação do Enem diz respeito ao seu caráter voluntário. Os que realizam o Enem são, de modo geral, aqueles que pretendem ingressar no ensino superior, cujo o desempenho tende a ser mais elevado. A consequência é a superestimação do desempenho médio da escola. Quanto menor a proporção de alunos que realizam o Enem, maior a superestimação, o que tende a reduzir a diferença entre as melhores e piores escolas, mas não a alterar a ordenação das mesmas. Uma avaliação desse problema pode ser feita pelo usuário, uma vez que a proporção de alunos das escolas que realizam o exame é divulgada.

A sonegação de informações de interesse social por parte do MEC, com o argumento de proteger os usuários de cometerem erros de interpretação e de fazerem usos inapropriados, não parece condizente com os princípios de uma sociedade aberta e democrática.

texto: Reynaldo Fernandes é professor da USP, foi presidente do Inep (2005-2009) e membro do Conselho Nacional de Educação (2010-2014)

Fonte: O Globo