Uma nova operação da Polícia Federal voltou a colocar em evidência a participação de agências de publicidade em escândalos de corrupção.
Na terça-feira, policiais fizeram buscas em escritórios da Propeg – uma das maiores empresas do ramo no país – em Salvador e em Brasília, como parte de investigação sobre um possível esquema para desviar dinheiro público para financiamento ilegal de campanhas eleitorais e outro envolvendo fraudes em licitações e contratos publicitários do Ministério das Cidades nos governos petistas.
Antes da Propeg, agências como a Borghi/Loewe já haviam sido implicadas na Operação Lava Jato, além dos publicitários João Santana e Monica Moura. Muito antes disso, em 2013, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza foi condenado pelo mensalão do PT – preso, ele também é réu no processo do mensalão tucano mineiro e na Lava Jato.
“Já ouvi algumas pessoas dizerem que as empresas de publicidade são as novas construtoras. Elas devem começar a aparecer mais ainda nos esquemas de corrupção”, diz Fabiano Angélico, especialista em administração pública e consultor da Transparência Internacional no Brasil.
Mas por que – e como – isso acontece?
“Os contratos entre órgãos públicos e agências trazem elementos que dificultam a identificação de fraude, porque é muito difícil estabelecer o preço de alguns trabalhos de comunicação”, explica Angélico.
“São trabalhos poucos concretos. Às vezes eles envolvem muitas subcontratações de serviços como vídeo, trilha sonora, fotografia, diagramação. E você pode fraudar isso de maneira mais fácil do que outro tipo de contrato. Esse é um dos fatores pelos quais algumas agências se envolvem.”
O presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap), Orlando Marques, diz que o órgão “sempre condenou esse tipo de prática” e orienta suas associadas sobre os procedimentos corretos. “Mas sempre tem alguém que acha que é mais esperto.”
Suspeitas
Os esquemas investigados pela PF na operação Hidra de Lerna ilustram o modo como a participação dessas empresas acontece.
Em um dos casos, a construtora OAS teria contratado ficticiamente a Pepper, especializada em campanhas políticas, para maquiar o financiamento ilegal da campanha do atual governador baiano, Rui Costa (PT). O esquema teria sido revelado pela dona da agência, Danielle Fonteles, em acordo de delação premiada.
No segundo caso, também relatado por um publicitário, a Propeg teria pago propina para obter um contrato de R$ 45 milhões do Ministério das Cidades. Pelo menos dois ex-titulares da pasta durante o governo Lula, Mario Negromonte e Márcio Fortes, teriam sido pagos por contratos fechados com agências de comunicação, segundo a PF.
Os ex-ministros negam as acusações. O Ministério das Cidades disse que, “em poder das informações (sobre a investigação), a pasta terá condições de avaliar do que se trata e capacidade de instaurar, imediatamente, processos administrativos disciplinares para investigar a denúncia”.
A Propeg, por sua vez, afirmou que “no que tange à agência, os fatos em apuração não possuem qualquer conexão com o Partido dos Trabalhadores, o Governador do Estado da Bahia e com a empresa OAS”. O PT da Bahia disse que a ação da PF, que teria arrombado as portas da sede do partido em Salvador, foi “desnecessária” e “sensacionalista”.
‘Homem do meio’
“Na maioria das vezes, a agência age como ‘homem do meio’. Tira-se dinheiro dos cofres públicos através de uma contratação, esse dinheiro passa por uma agência de publicidade, que realmente fará algum serviço, e a outra parte dele vai para um político ou partido”, explica Angélico.
O que as agências costumam ganhar com a participação? Em geral, o favorecimento em licitações públicas – de modo semelhante ao que ocorre com as construtoras.
“Algo que acontece muito é ver uma agência de publicidade que fez a campanha de um candidato sendo repetidamente contratada em licitações depois que esse candidato é eleito. Isso é uma indicação clara que de que há uma relação mais próxima entre eles do que deveria”, diz o consultor da Transparência Internacional.
Em alguns casos, explica, o esquema se espalha pela cadeia da publicidade e envolve também produtoras de conteúdo – vídeo e fotografia, por exemplo – que são subcontratadas pelas agências para realizar campanhas.
Funciona, de modo simplificado, assim: a agência, contratada pelo órgão do governo, subcontrata produtoras e exige delas uma “bonificação por volume” (BV de produção, como é chamada no meio) – uma espécie de taxa informal descontada do pagamento final.
O valor dessa taxa, no entanto, é depositado em contas de terceiros, como empresas abertas por políticos ou seus familiares. Na prática, é uma maneira de pagar propina a políticos ou partidos.
‘Fragilidade’
Segundo publicitários e produtores ouvidos pela BBC Brasil – por medo de represálias no mercado, parte deles preferiu não se identificar -, a prática tornou-se mais comum nos últimos anos.
“Já trabalhei para uma agência em que tive que fazer orçamentos de mais de R$ 80 mil, mas ficava apenas com R$ 5 mil. Eu pagava meus fornecedores, pagava o BV e ainda tinha que fazer repasses para uma pessoa da agência”, disse um fotógrafo.
“Certa vez, estávamos fazendo uma campanha e me pediram um repasse mais alto além do BV. Eu reclamei, porque teria que repassar quase o dobro do que estava lucrando. E me disseram, pela primeira vez, que o cliente final, um ministério, estava querendo o repasse.”
No início de 2016, um grupo de produtoras de conteúdo publicitário pediu, em carta aberta, o fim da cobrança informal do BV por parte das agências, temendo o envolvimento em esquemas de corrupção.
“Já éramos contrários à prática do BV antes disso acontecer, mas a aparição de nomes de produtoras na Lava Jato certamente deixou mais clara nossa fragilidade”, disse à BBC Brasil Francesco Civita, diretor da produtora Prodigo Films.
Um executivo afirmou que a maioria das agências “entendeu o recado” nos últimos meses, mas que ainda há aquelas que insistem na cobrança da taxa – que não é regulamentada, mas, a rigor, não é ilegal. Uma dessas agências, segundo ele, é a Propeg.
“Tive propostas para isso, mas sempre negamos. Nunca quis pagar um terceiro sem saber quem é, para onde vai, em que rolo que estou me metendo. Quando as empresas tinham coragem de se defender, eles recuavam”, afirma.
Segundo Orlando Marques, presidente da Abap, o órgão tem realizado “cursos, palestras de especialistas sobre a lei anticorrupção e sobre governança” para as agências associadas.
“Tudo o que podíamos fazer para os associados não se meterem nesse tipo de fria a gente fez. E não queremos deixar esse assunto esfriar. Mas sempre tem alguém que acha que é mais esperto que os demais. Em negócios isso é inevitável”, disse.
“A Propeg, como todas as demais agências, sabe o que é certo e o que é errado. Se fez o errado, sabia o que estava fazendo.”
Transparência
Para Fabiano Angélico, a participação das agências em escândalos é mais uma face do principal problema da corrupção na administração pública: a contratação de empresas privadas.
“Temos hoje muita transparência nos salários pagos pelo poder público no Brasil, mas o gasto na contratação de empresas não se discute. As empresas não dão detalhes e a lei só obriga que um resumo do contrato seja publicado”, diz.
“O Estado precisava identificar os tipos de contratos mais sujeitos a fraude e deixá-los bem mais transparentes, desde o edital até as propostas de cada empresa. Na maior parte das vezes, nem a justificativa para contratar alguém é tornada pública.”
Um ponto importante, diz, é deixar claro quem são os donos e sócios das empresas que estão sendo contratadas, para que seja possível entender para onde vai o dinheiro que sai dos cofres públicos – e encontrar possíveis irregularidades mais facilmente.
“Às vezes, o dono da agência abre outra empresa, com outro CNPJ para ganhar licitações. Fica difícil para os órgãos de controle rastrear a relação entre uma e outra. Daí a importância de saber quem são as pessoas por trás das empresas.”
Fonte: BBC Brasil