A internet encontra-se sob ataque. Os aparatos de segurança e de justiça agem cada vez mais de modo extremo e hiperdimensionado. Alegam proteger a sociedade de supostos inimigos. Seus expoentes clamam pelo fim das restrições ao acesso das autoridades aos dados armazenados pelos cidadãos e pela possibilidade de interceptação plena da comunicação em rede. Sem isso, dizem, não poderão enfrentar os quatro cavaleiros do infoapocalipse: o terrorismo, o tráfico de drogas, a pedofilia e a lavagem de dinheiro.
Como em uma atualização de Thomas Hobbes, autoridades alegam que é melhor abrirmos mão dos nossos direitos e garantias individuais em função da nossa segurança. Alguns deputados até tentam aprovar a obrigação de cadastro com CPF para acessar as aplicações da internet. Trata-se da atualização das ideias de Jeremy Bentham, que propunha a obrigação dos membros das classes perigosas –ou seja, os pobres– a andarem com a identificação claramente estampada em suas roupas.
Assim como é pouco provável que um assaltante de banco utilize seu nome verdadeiro para praticar o ato criminoso, é mais improvável ainda que os crackers invadam servidores de empresas sem usarem serviços de proxys anônimos, embaralhadores de endereços de rede e tecnologias para se esconderem entre os bilhões de pontos das redes digitais. No final, cadastros e registros abusivos fragilizam o cidadão comum que passam a ter seus dados reunidos e vendidos para empresas de marketing, seguros e modulação de comportamentos.
Na verdade, a internet deixa rastros digitais e registros de todos os acessos que fazemos. Apenas seguindo os metadados coletados nas redes, tanto a polícia e as empresas, quanto os criminosos podem obter informações impressionantes das pessoas que são alvo de sua coleta. Não é por menos que uma das grandes batalhas no processo legislativo da aprovação do Marco Civil da Internet deu-se em torno do que deveria ser obrigatoriamente armazenado pelos provedores e como as autoridades poderiam acessar tais dados sem destruir os direitos de privacidade, sem os quais nenhuma democracia poderá sobreviver.
O Marco Civil, para ser aprovado, teve de incorporar alguns excessos, como o de entrega de dados cadastrais para as autoridades sem ordem judicial ou o da absurda obrigação dos provedores de aplicação comerciais –sites, em geral– serem obrigados a guardarem os endereços IP de quem os acessou.
Enfim, a lei que regulamenta o uso da internet no Brasil define que alguns provedores de conexão, aqueles que forem administradores de sistemas autônomos, devem guardar por um ano os registros de acesso do usuário, principalmente, o IP utilizado e a hora de acesso à rede. Também exige das empresas de conteúdo e das plataformas de relacionamento online que guardem o IP de quem acessou sua aplicação e por quanto tempo permaneceu. Em nenhum momento a lei manda copiar o conteúdo comunicado, os dados trocados, muito menos organizar um sistema permanente de intrusão nas comunicações.
Estranhamente, a prisão do vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Jorge Dzodan, pedia para o WhatsApp as conversas realizadas por uma possível quadrilha de criminosos. O WhatsApp, empresa comprada pelo Facebook, alegou que não possui as informações armazenadas. O que será que aconteceu? O judiciário não acreditou na resposta? Não se sabe exatamente nem mesmo qual foi o pedido. Cada vez mais, solicitações judiciais na internet são feitas sob sigilo de justiça. Seria necessário?
Diferentemente do que foi alegado em algumas páginas nas redes sociais, o Marco Civil não dá base alguma para tamanho exagero que foi cometido nesse caso. O Tribunal de Justiça de Sergipe lançou uma nota em que diz que a prisão do senhor Diego Dzodan foi decretada “por impedir a investigação policial, com base no art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013”. Trata-se da Lei das Organizações Criminosas.
O que mais assusta é que a polícia considera que as empresas devem armazenar todas as mensagens dos cidadãos. Do mesmo modo, não me surpreendeu o fato do FBI ter pedido a chave que quebra a criptografia dos celulares da Apple após um atentado terrorista recente nos Estados Unidos. O que é aterrorizante é o fato de a Apple assumir que possui esse mecanismo de intrusão na máquina dos seus usuários. Esse descabido grau de vigilância não reduzirá os crimes, apenas tornará a democracia mais frágil e os cidadãos mais cerceados.